Esportes

Futebol da região na elite
paulista é falso brilhante

DANIEL LIMA - 20/11/2023

Se você é um daqueles que já fui, trate então de deixar o que já deixei. A participação de três equipes da região na Série A-1 do Campeonato Paulista do ano que vem é uma enganação, quando não ilusionismo, se houver correlação com suposta grandeza e poderio. Se o referencial for o futuro mais adequado, é melhor não acreditar.  Nossos três times que ocupam a elite do futebol paulista são falsos brilhantes.  

Estamos num mato de desafios sem cachorro de organização quando se leva em conta o que temos nos gramados e, principalmente, o que somos fora dos gramados. Pior ainda quando se projeta o que poderemos ser fora dos gramados no futuro.  

O passado que já foi passado e que deixou pouca herança para o futuro que chegou é prova provada de que sem infraestrutura cultural, ou seja, sem o sentimento popular de pertencimento, teremos apenas equipes temporárias de relativa grandeza.  

Santo André, São Bernardo e Água Santa têm tantas especificidades individuais que não devem iludir o distinto público.   

CADA VEZ MENOR  

Estamos cada vez mais metidos num buraco negro de desimportância socioesportiva. Não temos massa econômica para nos antepor a adversários de grande porte que mais e mais ocupam espaços no mercado da bola, que vai muito além dos gramados. Ou seja: quem entende futebol apenas como manifestação esportiva precisa se reciclar. 

Fora dos gramados essa frouxidão popular tende a agravar o quadro. Marcaria um encontro com isolamento autofágico entre o que poderia ser uma ramificação de identidade esportiva e uma quase obrigatória manifestação de comprometimento social. 

SITUAÇÕES DIFERENTES  

O Santo André é um clube de passado muito mais interessante e defensável do que do presente. É um clube sem dono e sem rumo. E se continuar na toada dos últimos anos, também não terá prumo e muito menos futuro. O modelo de clube associativo já morreu e foi enterrado por clubes pequenos e médios com ambições.  

O São Bernardo é um clube de um único dono mas sem coração. Mas está em situação esportiva melhor que o Santo André. 

O Água Santa de Diadema é um clube de vários donos e nenhuma institucionalidade.  

Destrinchar essas três situações é uma tarefa que exige apenas bom-senso e que, também, não se concentre exclusivamente nos gramados de visibilidade nem sempre ou quase nunca sintonizada com a realidade. 

Os gramados podem oferecer surpresas como a do ano passado, quando o Água Santa disputou a final do Campeonato Paulista diante do Palmeiras. Já o fizeram antes o Santo André quase campeão paulista e o São Caetano campeão estadual. São episódios circunstanciais que se comprovaram ilusórios. O futuro mais adiante se comprovou decepcionante.  

CAMISA ESQUECIDA  

Quem olha para a distribuição dos grupos da fase classificatória da Série A-1 do Campeonato Paulista do ano que vem, após sorteio na Federação Paulista de Futebol, vai se encher de orgulho e entusiasmo. Lamentavelmente, são poucos os que estão nessa categoria. A maioria cada vez não desperta interesse pelos clubes da região. 

Da camisa dividida dos anos 1970 entre o Santo André e clubes grandes paulistas que levavam vendedores ambulantes a ganhar dinheiro nas arquibancadas do Estádio Bruno Daniel a eventual varejo comercial teriamos um fracasso. Cada vez mais os torcedores dos clubes grandes desprezam o uso de camisas dos clubes da região. Tanto com exclusividade quanto em compartilhamento de espaço no tecido, como no passado. Perdemos o que tínhamos de preferência e muito mais como carona.  

É muito difícil cultivar uma relação constante com os torcedores quando as equipes da região não constam do calendário nacional. Apenas os jogos do Campeonato Paulista não fazem verão de fidelidade e comprometimento nas arquibancadas.  

CULTURA DO FUTEBOL  

O futebol da região precisa de muito mais que estar no principal campeonato estadual do País para ser lembrado e resgatado pela população.  

Enquanto não for resgatada e amplificada a cultura que transformou o Santo André no clube regional de maior sucesso popular, tudo o que se fizer será de efeito circunstancial – como a torcida que o Água Santa mobilizou na final do Paulistão do ano passado. 

O Santo André sem dono, sem rumo e potencialmente sem prumo está perdendo cada vez mais torcedores. A renovação demográfica com envelhecimento da população impôs o sepultamento de antigos frequentadores do Estádio Bruno Daniel e o desinteresse dos jovens mais conectados às externalidades de pressão cultural. 

O Santo André tem mais torcidas organizadas que torcedores. Fosse apenas isso, não seria trágico demais. O problema é que essas mesmas torcidas organizadas não têm a quantidade de torcedores das grandes equipes de futebol, mas carregam os mesmos vícios e violência.  

MOEDA DE TROCA  

Torcidas organizadas do Santo André viraram moeda de troca de políticos incrustrados no Paço Municipal e fazem o que os patronos determinam. Esses patronos privatizaram os torcedores. A espontaneidade e o adensamento do passado viraram mercadoria eleitoral.  

Por isso o Santo André não tem massa crítica alguma para pressionar o prefeito Paulinho Serra à liberação do Estádio Bruno Daniel, peça indispensável à formulação de uma SAF (Sociedade Anonima do Futebol) que represente um salto rumo a alguma coisa que afaste a desesperança atual.  

Com os torcedores organizados subjugados, com os conselheiros inertes e com a brutal queda de representatividade de formadores de opinião, o Santo André presidido por Celso Luiz de Almeida não é nem sombra do passado de exigências, cobranças e dinamismo.  

Trocando em miúdos: o Santo André é um prato cheio à demagogia e ao oportunismo do Paço Municipal. A fragilidade institucional do Santo André é convidativa à entrega da rapadura aos interesses do entorno do Paço Municipal.  

FAVORES OFICIAIS  

Há uma dependência de favores e reciprocidades. O dia a dia do Santo André é um teste de ferro à diplomacia do presidente Celso Luiz de Almeida. O dirigente, último dos moicanos do grupo que esculpiu a história do Santo André, está praticamente imobilizado. Sem respaldo social diante do imperialismo do prefeito Paulinho Serra, só resta a Celso Luiz de Almeida esperar pelos desdobramentos incertos de uma situação de paralisia.   

Há um ano o Conselho Deliberativo do Santo André liberou a presidência à construção do caminho à privatização em forma de SAF, única saída para encontrar os rastros da modernidade do futebol. O tempo passa e nada acontece. A impressão que se tem é que Paço Municipal torce pelo sangramento maior do Santo André para, então, locupletar-se com as forças de pressão que pretendem arrebatar o clube.  

Os tentáculos do Paço Municipal são gigantescos. A cessão de uso do Estádio Bruno Daniel é o passaporte ao negócio, mas a Prefeitura atrapalha. Não cede o instrumento legal que permitiria ao Santo André dar atendimento a interessados. O fato é que a Prefeitura de Paulinho Serra, dominada por um entorno que vê oportunidade de negócio em tudo, quer o Santo André preso às amarras do Paço Municipal.  

COMANDO À DISTÂNCIA 

O São Bernardo, uma empresa privada, não encontrou nenhum tipo de dificuldade para se ajeitar no uso do Estádio Primeiro de Maio, palco de manifestações sindicais ao longo dos anos. A transferência de uso à direção do clube não passou por qualquer imposição. O prefeito Orlando Morando queria apenas se livrar do custo mensal de manutenção. 

Por isso o desafio do São Bernardo está na forma de ser comandado. Não há nada além do uniforme e do próprio estádio que indiquem comprometimento com a população. O São Bernardo é uma equipe sem coração municipal. Treina longe de São Bernardo e se pudesse até jogaria fora de São Bernardo. O presidente, empresário da área de joias, tem residência e negócios em Campinas.  

O São Bernardo é apenas um entreposto do negócio chamado futebol. E tem-se dado relativamente bem nos gramados. Além de disputar a Série A-1 do Paulista, conta com vaga na Série C do Campeonato Brasileiro. Poderia estar na Série B, de muito maior peso na hierarquia nacional, mas perdeu a vaga no final do jogo da finalíssima.  

A falta de inserção social do São Bernardo de agora contrasta com a falsa inserção social do São Bernardo no período em que foi estatizado informalmente pela Prefeitura de São Bernardo sob o governo do prefeito Luiz Marinho e o controle da equipe pelo logo depois deputado estadual Luiz Fernando Teixeira. 

PT FUTEBOL CLUBE  

O São Bernardo viveu um período de acessos contínuos justamente em sintonia com o comando do Paço Municipal pelo PT de Luiz Fernando Teixeira. Havia uma relação intima entre Prefeitura e clube. Dinheiro abundava. Torcida politizada também não. O São Bernardo de fato era uma espécie de PT Futebol Clube. Diferente da origem associativa do clube.  

O São Bernardo era, portanto, um clube privatizado pelo capitalismo municipalista. Ou seria um clube estatizado pelo estatismo municipalista? A ordem dos fatores não altera a negociação final. Bastou o PT ser derrotado nas eleições municipais depois de oito anos de dois mandatos do prefeito Luiz Marinho para o São Bernardo trocar de dono.  

Agora é mesmo privatizado pelo capitalismo privado, não estatal. Mas incorre em falha justamente porque só enxerga cifrões. São Bernardo é uma cidade órfã de representante de futebol. Não tem, portanto, capilaridade que o Santo André teve no passado e escasseia no presente.  

VÁRIOS DONOS  

O Água Santa de Diadema é um clube de vários donos e de nenhuma institucionalidade. Não é o desenho de clube empresarial que se deva ter na cartilha do ideal e tampouco está na categoria de clube com compromissos sociais.  

O Água Santa é dirigido por empresários sem qualquer relação sistêmica com o mundo do futebol e tampouco está inserido no mapa de relacionamentos com a classe de formadores de opinião e tomadores de decisão em Diadema. É um organograma à parte na distribuição de poderes públicos e privados de Diadema, cidade historicamente de verniz administrativo socialista.  

O trio que resplandece falsamente no Campeonato Paulista do ano que vem vai encontrar dificuldades para se sustentar na competição que rebaixa os dois últimos colocados. Das 16 equipes participantes, cinco estão na Série A e seis na Série B do Campeonato Brasileiro, as duas divisões para valer entre as competições nacionais. Além dos três times da região, Internacional de Limeira e Portuguesa de Desportos não integram as duas principais divisões do Brasileiro. Isso faz muita diferença porque a lógica de montagem de elencos leva em conta o calendário nacional.  Água Santa e Santo André (na Série D) e São Bernardo (Série C) podem amenizar o desconforto, mas não faz muita diferença para os dois primeiros. O calendário da Série D é mais curto. .  

No caso do Santo André, que só tem o Campeonato Paulista como fonte de potenciais mas modestas receitas, as dificuldades para contratar jogadores são maiores. Jogadores e trinadores preferem assinar contratos com estabelecimentos que atendem a clientela o ano inteiro. O Santo André vai atender durante apenas três meses. Água Santa e São Bernardo um pouco mais. Longe do ideal.   



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