Esportes

Região dá show e vexame
como espelho da realidade

DANIEL LIMA - 13/03/2023

A tarde/noite de sábado foi emblemática como exemplo do Grande ABC que temos no futebol e fora do futebol, em forma de regionalidade.  

A meritocracia do coletivismo do esporte fez ressaltar em mediocridade a ineficiência do compadrio estatal que tem como maior expressão de fragilidade e politiquismo o individualismo mistificado do Clube dos Prefeitos.  

O São Bernardo deu um show de competência na derrota diante do Palmeiras no Allianz Parque, pelas quartas de final da Série A-1 do Campeonato Paulista.  

Já o São Caetano sem o mecenas Saul Klein afundou de vez em Lins, no Interior do Estado, ao perder para o Linense e ser rebaixado à Série A-3 Paulista. Ou à sétima divisão do futebol brasileiro. 

Associar o Grande ABC de chuteiras vitoriosas e chuteiras mambembes à regionalidade é uma maneira de compreender o que se passa nesta terceira década do século.  

EXEMPLO INCOMPLETO  

O São Bernardo dirigido empresarialmente em forma de SAF é um exemplo ainda incompleto a ser seguido. É o melhor modelo de que a região dispõe para voltar a frequentar as principais manchetes esportivas e também a finalmente sair do roteiro de fracassos institucionais. Seria uma inspiração bem-vinda ao regionalismo de que tanto precisamos.  

O São Caetano de comando repleto de obscuridades e que flerta constantemente com o noticiário policial é uma fórmula de empreendedorismo privado que precisa ser cuidadosamente verificada. Seria uma também inspiração bem-vinda ao regionalismo sem respostas.  

Os dois modelos de organização privada do futebol, constantes entre si e com ressonâncias no campo de jogo, com resultados completamente distintos, são um reflexo da sociedade do Grande ABC como um todo. 

MODELOS DISTINTOS  

De um lado temos um São Caetano fracassado em forma de regionalidade incompetente. De outro, temos um São Bernardo vitorioso mas ainda sem a amplitude social de que seria desnecessário como representante da livre-iniciativa principalmente de pequenas e médias empresas. 

Há muito tempo o futebol do Grande ABC não desfilava em campo (e mais uma vez na Capital cinderelesca) com a competência embevecedora a extasiar a plateia.  

O São Bernardo deu sufoco no grande Palmeiras, a mais bem acabada equipe do futebol brasileiro das últimas temporadas. 

O São Bernardo jogou com dignidade, organização coletiva e não fosse excesso de pruridos da arbitragem, até que poderia ter sido um adversário ainda mais indigesto ao Palmeiras. 

O silêncio fora das torcidas organizadas do Palmeiras no Allianz Parque durante quase todo o jogo revelou a inquietação no gramado.  

O São Bernardo, um genérico do Palmeiras, atordoava o adversário. O time de Abel Ferreira viu-se diante de uma réplica tática recheada de jogadores menos qualificados, mas suficientemente apetrechados para seguir à risca uma operação de guerra para terminar o jogo com dignidade. O São Bernardo foi extraordinário.  

MAIS DE UMA DÉCADA  

Somente 13 anos antes, num Pacaembu lotado, seria possível encontrar algo semelhante ao orgulho regional, embora de modelo de jogo totalmente diferente.  

Na final do Campeonato Paulista de 2010 o Santo André disputou dois jogos com o Santos, venceu um e perdeu o outro pelo menos placar, de 3 a 2, e saiu glorificado.  

O Santo André era uma equipe de talentos e de uma coreografia tática e técnica distante do modelo de bravura, determinação, empenho físico e transpiração transbordante do São Bernardo de sábado à tarde. 

O São Bernardo da livre-iniciativa ainda incompleta, porque falta entranhar-se mais na vida da cidade, mostrou que não subiu por acaso à Série C do Campeonato Brasileiro e que vai concorrer com possibilidades de chegar ao objetivo desejado e que o lançaria a um novo patamar no futebol nacional: a Série B.  

PERDA DO MECENAS  

Já na distante Lins, o São Caetano de uma livre-iniciativa estranha, onde a troca de dirigentes é equivalente ao estardalhaço do noticiário policial dos últimos tempos, o rebaixamento à Série C do Paulista não passa de consequência lógica.  

Perder para o Linense no Interior é o corolário de uma trajetória trágica desde que o milionário Saul Klein deixou de alimentar uma fornalha de gastos e incúrias da direção executiva da agremiação, com Nairo Ferreira à frente e um entorno de amigos pusilânimes diante de incorreções explícitas. 

Saul Klein se afastou do São Caetano há quatro anos. Durante quase duas décadas injetou da própria conta bancária cerca de R$ 500 milhões para transformar o São Caetano no Azulão festejadíssimo de uma final da Libertadores da América e de várias temporadas na Série A do Campeonato Brasileiro, além de um título paulista, em 2004.  

Sem Saul Klein o São Caetano entrou em parafuso. Os recursos do milionário, registrados nas declarações à Receita Federal, foram tão mal utilizados que viraram caso de Polícia.  

SEM LENÇO E DOCUMENTO 

A diretoria do São Caetano, com Nairo Ferreira, conseguiu a proeza de endividar o clube, não deixou uma herança física sequer e, com a retirada de Saul Klein, não segurou a peteca de sucessivas quedas em campo. Até a dois leilões frustrantes o São Caetano chegou a ser levado.  

Não é exagero colocar o sucesso do São Bernardo como extensão da resistência da livre-iniciativa do Grande ABC, que suporta intempéries monumentais, entre as quais a perda de 20% do PIB nos dois anos do governo Dilma Rousseff. Não entram como ativos simbólicos da livre-iniciativa empresas que vivem grudadas nas tetas de governos municipais, em espúrios relacionamentos comerciais e políticos. Mercadores imobiliários são agentes ativíssimos. 

Também não é despropósito deslocar simbolicamente o São Caetano a uma sacola de inconformidades típicas dos podres poderes públicos da região, notadamente no campo institucional.  

CLUBE DOS PREFEITOS  

O Clube dos Prefeitos é um arremedo de entidade que ao longo de 30 anos mal saiu do casulo de grupos de controle com objetivos na maioria dos casos pouco nobres.  

Não é exagero afirmar que o São Caetano agora da sétima divisão do futebol brasileiro é a cara e a sem-vergonhice do Grande ABC institucional, incapaz de se organizar coletivamente sem firulas eticamente delinquenciais.   

Há muita semelhança entre o Azulão, o Clube dos Prefeitos e tantas outras entidades municipais e regionais que não encontram  saídas às insolvências que exalam há muitas décadas.  

Se o Azulão de dinheiros fartamente doados por Saul Klein alcançou a proeza de acumular dívidas, escândalos, ineficiências e vexames, o Clube dos Prefeitos e a maioria das organizações públicas e privadas da região seguem trilha de autoproteção improdutiva. Fingem que fazem, alardeiam feitos, mas não produzem nada para valer. São farsantes.  

EXEMPLO TERRÍVEL  

Quer um exemplo do quanto a institucionalidade regional se assemelha ao São Caetano da sétima divisão?  

Procurem na Internet alguma declaração, algum trabalho, alguma proposta, alguma qualquer coisa que tenha relação direta com os dois anos destrutivos do governo de Dilma Rousseff, quando 100 mil trabalhadores da região perderam o emprego com carteira assinada. 

O que dizer então do combate ao Coronavírus, situação estatística que coloca o Grande ABC em igualdade de vexame com o Distrito de Sapopemba, na Capital, quando se afere o número de mortes por grupo de 100 mil habitantes?  

Por essa e por tantas outras razões é preciso que se bata insistentemente na tecla de generalizada e abusiva inapetência de instâncias regionais e municipais para lidar com os efeitos destrutivos da desindustrialização. Nesse caso, nada melhor que sacar o exemplo do futebol do São Bernardo. 

CARTA DE ALFORRIA  

Jogou tanto o São Bernardo no principal campeonato estadual do País que a derrota para o Palmeiras serviu paradoxalmente de consagração.  

Primeiro porque preliminarmente seria praticamente impossível passar pelo adversário.  

Segundo porque na prática o jogo mostrou que era possível passar pelo adversário.  

Terceiro porque uma polêmica penalidade máxima que a arbitragem descartou projetaria um enredo bem mais complexo para o favorito Palmeiras.  

Quarto porque se resgatou a imagem da região no ambiente esportivo de alto nível. Elevou-se, com isso, circunstancialmente ou como marco inicial de novos tempos, uma modelagem que poderá inspirar as demais equipes.  

É o que se espera no caso do Santo André ainda à espera do bom-senso dos poderosos de plantão que não lhe entregam a carta de alforria de transferência de uso do Estádio Bruno Daniel  a investidores interessados no modelo da SAF.  

SAF sem Bruno Daniel e como Carnaval sem serpentina, Brasil sem polêmica política e o próprio futebol sem bola.



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