Economia

CLUBE DOS PREFEITOS
VIVE NO MUNDO DA LUA

DANIEL LIMA - 14/04/2025

Talvez uma metáfora, mesmo uma metáfora que force a barra, seja a melhor ideia para definir o que o Clube dos Prefeitos prepara para esta terça-feira. O leitor já imaginou uma multinacional da área farmacêutica promover um festival de cachaça para comemorar o lançamento de um novo produto de combate ao alcoolismo?

Pois o Clube dos Prefeitos acaba de anunciar que vai lançar um programa para micro e pequenas indústrias da região que seguiria diretrizes do Nova Indústria Brasil, do governo federal.

Se depois dessas informações o leitor não achar graça na metáfora, é porque ainda não deixou o tormento da informação se completar. Há uma inadequação de público e de projeto para envolver os pequenos negócios da indústria de transformação. Não existe nexo técnico na programação. Seria como tentar ensinar bebês a atravessarem a nado o Canal da Mancha.

SUPERANDO ANTECESSORES

O Clube dos Prefeitos com o prefeito dos prefeitos Marcelo Lima está conseguindo superar todos os antecessores que transformaram a entidade num fantasma institucional. Marcelo Lima não entende bulhufas de economia e tampouco do Consórcio Intermunicipal, como é chamado oficialmente o Clube dos Prefeitos.

Por isso o que é historicamente um fracasso tende a se tornar um fracasso dramaticamente anedótico. A programação conta com o aval do prefeito dos prefeitos. Mais que isso: ele deu declarações que levam o público a acreditar na adequação do programa. Marcelo Lima é tão bom em economia quanto este jornalista em astronomia.

O noticiário publicado nos últimos dias em várias mídias da região dá conta de que micro e pequenas empresas do setor industrial, com faturamento anual  de até R$ 4,8 milhões e que estejam dispostas a adotar práticas de melhoria contínua e modernização,  são os principais alvos do programa.

A estimativa – vejam o que se segue, uma aberração – é de que 136 mil firmas na região atendam a esse perfil e possam ser beneficiadas pelas ações. Anotem esse número, porque esse número é o número da vergonha informativa.

NÚMEROS FANTASIOSOS 

Chamar a atenção para o universo de empreendedores de micro e pequeno porte é necessário para compreender até que ponto o Clube dos Prefeitos vive no mundo da lua da ignorância regional. As mencionadas 136 mil empresas industriais é uma aberração de desinformação. Chega a ser ridículo. Superestima-se o universo de empreendedores industriais de micro e pequeno porte. Do jeito que vai indo, o Clube dos Prefeitos concorre para substituir Itu em mania de grandeza.

Primeiro e principalmente porque é um número extravagante. Completamente fora da realidade. Dados oficiais do governo federal apontam que existem na região em tudo que se encaixaria como indústria 52.978 unidades. Três vezes menos, portanto. Calma que isso ainda é muito.

Estão nesse balaio de empreendimentos industriais todos os setores catalogados oficialmente. Isso quer dizer que está distante do que se verifica de fato como retrato da indústria de transformação.

Só o setor de construção reúne 21.627 de todos os tipos. De reciclagem são mais de 600 unidades. O que o IBGE chama de indústria em geral são mais de 30 mil unidades. Diminui aqui, diminui ali, de fato e para valer, mal passa de seis mil unidades o total do setor de indústria de transformação. Fábricas de alguma coisa, para ser mais preciso. Panificadoras, em centenas de unidades, não contam. Nem deveriam ser contadas. Mas o Clube dos Prefeitos contou. Entre outras contagens improcedentes.

EXAGERO DO EXAGERO

Portanto, as tais 136 mil são uma heresia estatística. Chega ao ridículo a projeção do público-alvo da programação do Clube dos Prefeitos. Vista ainda mais de perto, a proporção de indústria e de trabalhadores seria quase igual.

Há na região 180 mil trabalhadores com carteira assinada na indústria de transformação. Fosse verdade a bobagem numérica do Clube dos Prefeitos, haveria uma indústria para cada grupo de menos de dois trabalhadores. Perceberam o tamanho da barbeiragem?  Seria mesmo barbeiragem ou traquinagem mequetrefe de marqueteiro de plantão?

Portanto, para não deixar pedra sobre pedra da estultice da programação, o Clube dos Prefeitos não passa pelo estreito critério de credibilidade informativa, como se já não fosse suficiente a debilidade estrutural que o torna um estorvo que vai completar 35 anos. Estorvo no sentido de que é pior se fazendo de importante do que seria caso não existisse. Pelo menos a mentira e o despreparo não transmitiriam a impressão, tratados como verdade, de que estamos entregues a mãos institucionais competentes.

COMANDO TÉCNICO

O plural de “estamos entregues a mãos institucionais competentes” vai por conta da Agência de Desenvolvimento Econômico, braço supostamente executivo do Clube dos Prefeitos. As duas organizações são dirigidas tecnicamente, por assim dizer, por um executivo com dificuldades de entender e de produzir mudanças econômicas na região.

Aroaldo Oliveira da Silva é um sindicalista à frente das duas instituições. Podem chamá-lo de Senhor Pangloss que é a mesma coisa.

Pior que não acertarem nem mesmo o alvo quantitativo dos empreendedores industriais da região – de fato e para valer não são mais que seis mil unidades – o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico fazem a ligação do programa com a Nova Industria Brasil (NBI).

Para melhor entendimento da desproporcionalidade e do despropósito do projeto, já que os pequenos negócios industriais mal conseguem se sustentar, abandonados numa região em que as cadeias produtivas viraram pó,  principalmente nos anos 1990, observem alguns dos pontos mais relevantes do programa federal.

A PROGRAMAÇÃO

Nada melhor que reproduzir um trecho da reportagem publicada no Diário do Grande ABC de sábado. Leiam o seguinte trecho:

 “É necessário pensar o futuro da indústria do Grande ABC. Não tem País no mundo do tamanho do Brasil que se desenvolveu sem indústria. Por isso, temos de conectar a indústria da região com a NIB” – disse Aroaldo Silva, presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. As atividades previstas abrangem  desde diagnósticos empresariais até a implantação de soluções tecnológicas e práticas de gestão modernas. Os destaques incluem os programas Sebraetec, ALI Produtividade, Ganhos Rápidos e Empretec, além de painéis de discussão sobre temas atuais como inteligência artificial, bolkchain, realidade virtual e liderança feminina na indústria. A expectativa é que o programa promova aumento do faturamento, redução de custos, geração de empregos e renda e maior competitividade para o setor produtivo regional – escreveu o Diário do Grande ABC.

NOVA INDÚSTRIA BRASIL

Agora, veja os pontos estruturais da Nova Indústria Brasil, que o governo federal desenhou a partir do ano passado para anunciadamente reindustrializar o setor:

 As iniciativas da NIB estão agrupadas em seis missões: 1) cadeias produtivas agroindustriais sustentáveis e digitais; 2) forte complexo econômico e industrial da saúde; 3) infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis; 4) transformação digital; 5) bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energética; e 6) tecnologias de interesse para a soberania e a defesa nacionais. Tudo alinhado com o contexto atual de política industrial no resto do mundo.

Traduzindo os dois programas? O diretor-executivo do  Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico Aroaldo Silva produziu espécie de adaptação da macropauta federal, lançou mão da marca maciçamente divulgada e com isso pretende congestionar o trânsito amanhã  nos arredores da sede do Clube dos Prefeitos, em Santo André.

AVAL DO PREFEITO

Para tanto, conta com um público-alvo multiplicado por dezenas de vezes e completamente fora do espectro de probabilidade de aplicação nas dimensões transformadoras que o Grande ABC exige.

Pior que tudo isso é que o prefeito dos prefeitos Marcelo Lima, em declarações ao Diário do Grande ABC, evidenciou mais uma vez completa ignorância sobre a economia da região. Vejam o que ele disse:

 Nossa região possuiu um dos polos industriais mais importantes do País. Por isso, temos como uma das metas prioritárias de nossa gestão à frente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC o fomento e fortalecimento da indústria local. Esse novo programa que será lançado tem foco nisso, no sentido de promover inovação, sustentabilidade e aumento da produtividade, conseguindo, assim, aumentar o número de postos de trabalho e garantindo renda para as famílias do Grande ABC” – disse Marcelo Lima.

Não haveria pecado algum no evento programado para amanhã se o anúncio se limitasse ao que se tornou rotina ao longo dos anos na região: um projeto para impactar o que poderia ser chamado de organização das micro e pequenas empresas da região, contando para tanto com instituições especializadas como o Sebrae.

Esse é o padrão que se encaixaria no público-alvo e também no respeito aos consumidores de informação. Mas o Clube dos Prefeitos ganhou uma dimensão de marketing populista de resultados até agora inócuos que ganham manchetes da mídia condescendente.

CADEIA AUTOMOTIVA

A grande revolução que o prefeito dos prefeitos Marcelo Lima deixaria como legado do Clube dos Prefeitos, juntamente com seus pares, ou seja, os demais prefeitos da região, seria tocar na ferida cada vez mais sensível do setor automotivo, coração e alma da Economia região.

A cadeia de autopeças e montadoras da região, esta sim, deveria, além de interessada no programa federal, ganhar tons de regionalidade para se tornar mais competitiva e evitar que o Grande ABC volte a sofrer as consequências de uma recessão secular, como nos dois últimos anos do governo de Dilma Rousseff.

Mas quem deve cuidar disso, entre outros, são especialistas na matéria e executivos do setor automotivo da região, em convênio com a Anfavea, o Clube das Montadoras de Veículos.

SECRETÁRIO DE PROMESSAS 

O fetiche do secretário-executivo do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico com o plano Nova Indústria Brasil já completou um ano. Em fevereiro do ano passado, o que foi denominado Fórum da Indústria do ABC se reuniu para “iniciar a construção de um documento de referência da região”  que seria entregue ao governo federal com o objetivo de posicionar a região no Plano da Nova Industria Brasileira (NIB), lançado no dia 22 de janeiro” – segundo o jornal Repórter Diário.

Na reportagem, informa-se que foram apresentadas “seis missões abrangentes que organizam o plano nacional, assim com um panorama da indústria, políticas recentes e os principais pontos já debatidos pelo Fórum, que devem integrar o Pacto Regional pela Indústria e o documento que irá propor conexão da NIB com a região”, escreveu o Repórter Diário.

Ainda segundo aquele noticiário, a construção conjunta do plano regional também visaria à captação de recursos e consequentemente a geração de emprego e renda nas industrias e cadeias de produção instaladas nas sete cidades.

Aroaldo Silva foi ouvido pela reportagem do Repórter Diário e fez o que costuma fazer: encheu a bola furada da indústria regional que não consegue retomar o ritmo após a terra arrasada de Dilma Rousseff: “O ABC, em muitos momentos, deu linha para as ações nacionais, dando o rumo para o Estado e o País, Temos agora uma oportunidade ótima para conectar todos os atores e ampliar por exemplo nossos ambientes de inovação” – disse o executivo público.

Passou-se um ano, não houve notícia alguma dando conta do movimento. Agora, Clube dos Prefeitos e Agência voltam ao ataque. O Fórum da Industria foi jogado às traças. E surge uma adaptação patética à Nova Indústria Brasil. É impossível ser otimista no Grande ABC. Exceto os fanáticos e aproveitadores.



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