O que os leitores vão ter a oportunidade de acompanhar são contrapontos e complementaridades separados por 35 anos de história do melhor jornalismo regional do País. Na semana passada, publicamos ou republicamos a primeira Reportagem de Capa da revista LivreMercado de papel, origem de CapitalSocial digital. “A primeira análise a gente nunca esquece” mostrou o abre-alas de uma construção de solidez editorial que perdura 35 anos depois.
Entre aquele texto e este texto, são 35 anos de milhares de análises produzidas por este jornalista e uma equipe brilhante de jornalistas que durante 20 anos atuaram na revista LivreMercado. CapitalSocial foi concebida em 2001 e incorporou LivreMercado a partir de fevereiro de 2009.
Os leitores que supostamente tenham desembarcado este mês no Grande ABC, e que também supostamente jamais contaram com informações confiáveis sobre o Grande ABC, vão ganhar um duplo presente: estamos repetindo a análise da primeira edição de LivreMercado de março de 1990, e também, em forma de contraposição ou complementação, terão acesso à situação do Grande ABC nesta temporada. Repetindo, são 35 anos de diferença de produção editorial entre uma análise e outra tendo como fio condutor a realidade regional.
Sem falsa modéstia, nenhum leitor encontrará em qualquer outro endereço nada que se aproxime disso. Não há um único veículo de comunicação no Grande ABC que tenha se debruçado no território de sete municípios com tamanha persistência, independência e conhecimento como CapitalSocial-LivreMercado.
Embora o Desenvolvimento Econômico sempre se configure matriz de energia e dedicação de CapitalSocial-LivreMercado, as demais temáticas conectadas ao andar da carruagem do carro-chefe jamais foram descartadas. Mais que isso: acabaram incorporadas à gênese do melhor jornalismo regional do País.
Seguem agora, de forma escalonada, os recortes sequenciais da análise da primeira edição em março de 1990, uma primeira edição que a gente não esquece, e a interatividade de março de 2025. Poucas publicações no mundo teriam o sortilégio de enfrentar esse desafio. A base de tudo é o passado de compromisso social documentado no texto abaixo, e, também, o mesmo compromisso social dos contrapontos e complementaridades seguintes.
GRANDE ABC 1990
O Grande ABC não está com a bola toda, como muitos imaginam, ou como considera uma parcela razoável de investidores nas áreas de comércio e de serviços. Se é verdade que nos últimos anos descobriu-se o filão dos grandes shoppings centers e das lojas de departamentos e as principais representações de serviços deslocaram baterias principalmente para o A e o B do ABC, não é menos real que o esvaziamento industrial, ditado pelo crescente êxodo de grandes e médias empresas, acentua-se discreta e perigosamente.
GRANDE ABC 2025
Houve piora acentuada no período de 35 anos. A desindustrialização comeu solta. Só nos anos 1990 foram perdidos mais de 100 mil empregos industriais com carteira assinada, alterando-se completamente a distribuição de emprego e empreendedorismo de uma região até então prevalecentemente industrial. Milhares de pequenos negócios de sobrevivência na área de comércio e serviços floresceram, em sintonia com centenas de galpões industriais desocupados. O investimento concorrencial de grandes conglomerados comerciais e de serviços teve consequências dramáticas. Pequenos negócios são cada mais impactados. Os poderosos de diversos setores são implacáveis. A explosão de MEIs, microempreendedores individuais, revela a face de desemprego dissimulado, um empreendedorismo de sobrevivência na maioria dos casos.
GRANDE ABC 1990
Mais grave que as perdas econômicas estrategicamente enrustidas pelas representações empresariais e contundentemente sentidas pelos trabalhadores, é a política suicida de ignorar ou mascarar os fatos. O Grande ABC está empobrecendo a olho nu. É verdade que a situação macroeconômica do País esparrama diretamente sobre a região uma onda de desalento. Mas é inconcebível que as autoridades dos mais diversos setores e calibres permaneçam praticamente imobilizadas. O ABC perde cada vez mais sua face industrial, situação que poderá empalidecer seus indicadores econômicos e sociais.
GRANDE ABC 2025
A concentração de poderes políticos torna o Grande ABC um ambiente cada vez mais hostil a opositores que pretendam alterar o ritmo de um jogo em que só acumula derrotas. Em todo o período que separa a edição inaugural de CapitalSocial e os dias de hoje jamais houve qualquer movimentação de organizações empresariais que chamasse atenção aos estragos da desindustrialização. Vive-se um ambiente de total desencanto. As entidades empresariais atuam burocraticamente, sem qualquer envolvimento de classe que provoque alguma reação social.
GRANDE ABC 1990
Embora faltem estatísticas na região, como de resto ao Brasil, os poucos números coletados e distribuídos por algumas instituições são elucidativos. Reduz-se a força industrial da região e tolos são aqueles que acreditam que os setores comercial e de serviços assumirão automaticamente os espaços que se abrem e, desse modo, evitarão o pior. Sem produção, já está provado no grande palco do capitalismo, os Estados Unidos, não há resistência do comércio e dos serviços.
GRANDE ABC 2025
Os setores de comércio e de serviços do Grande ABC são de raquíticos valores agregados. Ou seja: não têm capacidade de reestruturar a economia. Diferentemente, portanto, do que se verifica na vizinha Capital do Estado, endereço no qual a queda industrial foi de alguma forma compensada por constelação de atividades que atendem à demanda por serviços de consultoria, hotelaria, eventos, tecnologia e tantos outros.
GRANDE ABC 1990
O que mais assusta é a falta de unidade entre as representações políticas, empresariais e sociais no Grande ABC. Se organizar de forma conjunta os sete Municípios do Grande ABC parece ser tarefa impossível para os políticos, sobretudo quanto às questões da produção industrial, porque há bloqueios naturais do ponto de vista doutrinário a desestimular tal proposta, pelo menos as bases empresariais da região poderiam unir-se para uniformizar gestões junto às prefeituras, de modo a que surgisse algo como um plano industrial. Se, dada a falta de união empresarial, essa proposta fosse avaliada como absolutamente irrealizável, então que se limite o empresariado a trabalhar em seu Município. Quem sair na frente provavelmente forçará os demais municípios a deixarem o berço esplêndido em que estão enfiados. Afinal, o esvaziamento industrial e econômico do Grande ABC atinge a todos, indistintamente. Há particularidades em cada cidade, mas globalmente existe forte semelhança: ninguém ainda se deu conta de que o sucateamento que se junta ao esvaziamento levará a região a ser apenas lembrança de passado poderoso.
GRANDE ABC 2025
As entidades empresariais do Grande ABC sofrem de um mal genético chamado dependência do Sistema Fiesp, sediado na Capital. Não há autonomia das organizações industriais para agirem de acordo com situações específicas de flagelos locais. Faltam lideranças empresariais do setor industrial na região entre outras razões porque não há combustível de liberdade de classe para enfrentamentos que sempre custam caro.
GRANDE ABC 1990
Se a ciclotímica crise econômica brasileira serve de atenuante ao empresariado regional que insistentemente se mostra arredio a formulações coletivas, o mesmo não se pode dizer das autoridades públicas, como prefeitos e vereadores. Eles só raciocinam em termos eleitorais, com raras exceções. E voto significa imediatismo de ações, porque quatro anos passam rapidamente e quem descuidar fica a ver navios. Assuntos econômicos ligados à produção raramente são debatidos. A falta de projeto econômico para cada cidade da região e para o ABC como um todo é algo tão acintoso que a simples sugestão de que se pense no assunto pode chocar. Não se pode dizer, nesse caso, que os políticos da região seguem à risca o figurino da classe. Os políticos do interior do Estado e também de vários municípios de Minas Gerais e Paraná já tiveram a sensibilidade tocada pela importância de ativar a economia pelo lado da produção. Eles oferecem rios de vantagem para quem lá se estabelece. Além de isenções tributárias, doam imensas áreas já terraplenadas. O governador, estocado pelo avanço de mineiros e paranaenses, parece reagir.
GRANDE ABC 2025
O analfabetismo econômico das autoridades públicas do Grande ABC se reflete não só na inoperância municipalista como também em instâncias regionais. A ausência de políticas públicas econômicas nos municípios é uma calamidade que só perde em importância constrangedora para a réplica coletiva no Clube dos Prefeitos. Economia não integra o cardápio dos prefeitos da região desde sempre. Exceto no segundo e terceiro mandato de Celso Daniel, no fim do século, quando se ensaiaram movimentos que emitiam sinais de inquietação na área, o que se ensaiaram na região é um descaso que ganha forma de atestado de estupidez. Afinal, cada vez mais os orçamentos municipais carecem de recursos para superar os desafios específicos de perda de qualidade de vida da população. Nossos prefeitos são pedintes de luxo nas esferas estadual e federal. E ainda festejam a mendicância.
GRANDE ABC 1990
Mas reação não se faz isoladamente. É preciso tornar o incentivo à produção marca efetiva da administração. No ABC, principalmente onde o PT elegeu prefeito, é notório o estremecimento com os empresários. Os índices de aumento de IPTU têm forte conotação corretiva, de anos e anos de política tributária nocivas de administradores relapsos, bem como um ranço ideológico que tem alguma semelhança com a Ilha do Caribe frequentada por Fidel Castro e seus companheiros.
GRANDE ABC 2025
O IPTU e outros impostos municipais ganharam impulso no período em todos os municípios da região. Tudo como tentativa de compensar perdas de repasses federais e estaduais. A redução da carga de receita do ICMS, por conta dos efeitos da desindustrialização, levou os prefeitos a ultrapassarem as medidas corretivas de impostos municipais negligenciados no período que antecedeu o Plano Real. As prefeituras eram beneficiárias do continuado aumento da arrecadação anabolizada pela inflação combinada com a redução de custos também por causa do desgaste da moeda.
GRANDE ABC 1990
É verdade que não há identidade comum entre as administrações petistas. O prefeito Celso Daniel, de Santo André, por exemplo, tem tido pessoalmente bons contatos com representantes empresariais. Maurício Soares também não é símbolo de radicalismo. Entretanto, falta a ambos e à estrutura de recursos humanos do primeiro escalão que os cerca o apetite próprio dos capitalistas, sintetizado na constante volúpia de proporcionar investimentos. Facilidades para a implantação de novas unidades fabris poderiam soar como heresia ao partido. Já os prefeitos da região fora da órbita petista pecam mesmo pela omissão.
GRANDE ABC 2025
Por mais que se bata na tecla do empreendedorismo privado como fonte de transformação social, os prefeitos que se sucederam na região em três décadas e meias jamais se lançaram a correções de rota. A desindustrialização do Grande ABC jamais contou com uma reação coordenada dos prefeitos, a maioria dos quais sem compromisso de longo prazo. E compromisso de longo prazo vai muito além de um ou dois mandatos. A especialidade dos administradores municipais da região está concentrada em aumentar a arrecadação para suportar os custos obrigatórios cada vez mais incidentes nas planilhas.
GRANDE ABC 1990
Sem a boa vontade dos políticos, os empresários procuram encontrar saídas individuais para superar os obstáculos. Raramente questões que afligem o setor industrial na região são debatidas em grupos de empreendedores — e quando o são não têm a devida repercussão ou continuidade. Por isso, prevalece o individualismo pragmático. Muitas empresas já preferiram redirecionar investimentos a regiões dóceis, ou mais que isso, a regiões que acolhem os novos investidores como heróis de guerra. O presidente da Cofap, Abraham Kasinski, recebeu o título de cidadão de Lavras há três anos, pouco antes de inaugurar naquela cidade do sul de Minas uma nova unidade da empresa que nasceu e se consolidou no ABC.
GRANDE ABC 2025
O êxodo industrial do Grande ABC seguiu em frente ao longo do tempo. A maior especialidade das autoridades públicas e da mídia condescendente está na necessidade de tentar tapar o sol das deserções com a peneira de omissão informativa. Mas a operação não dá certo. Os desfalques sempre aparecem em forma de indicadores econômicos e sociais. O PIB sempre chega com revelações tormentosas. Aos poucos, empresas que se evadiram aparecem em diálogos que se pretendiam sigilosos. Só não é possível enganar o distinto público quando logomarcas famosas trocam de endereço. A Ford e a Toyota, por exemplo, geraram desconforto regional. A aura de resistência que os triunfalistas não cansam de exibir não resiste às nuances macroeconômicas em forma de competitividade. O PIB Geral do Grande ABC cresce à velocidade de 30% em relação à média nacional. Isso é, em última instância, mobilidade social descarrilada.
GRANDE ABC 1990
Sabe-se que as entidades de classe empresarial evitam divulgar a relação dos retirantes. Teme-se que grande leva de empresários deixe o ABC por causa do feixe de contratempos e infortúnios que os assolam. Certo mesmo é que figuram na lista dezenas de deserções nos últimos cinco anos. Entre ser recebido por banda de música em aprazíveis cidades interioranas e o bacamarte do radicalismo sindical, misturado com o descaso das autoridades públicas, é claro que o empresário não precisa pensar duas vezes até decidir-se pela transferência.
GRANDE ABC 2025
O fluxo de deserções industriais não parece ter sido estancado nos últimos anos, embora não seja tão intenso quanto principalmente nos anos 1990. Mas há indicadores de que não se esgotou a busca por endereços mais compatíveis com competitividade. O Rodoanel Mario Covas incrementou novos movimentos de evasão industrial. A logística pesa muito nas operações, assim como outros custos que consultorias especializadas não deixam escapar como fatores hostis. O Rodoanel alterou o centro de gravidade de ocupação industrial. O trajeto passa apenas tangencialmente no Grande ABC. E a logística interna dos municípios da região é um nó górdio a impactar disputas por investimentos produtivos. Não à toa o Grande ABC perdeu o posto de maior PIB da Grande São Paulo, depois da Capital. A região do Grande Oeste, de Barueri e Osasco, entre sete municípios, ocupa a posição. E a Grande Norte, de Guarulhos e outros municípios, está prestes à ultrapassagem. A chegada do trecho norte do Rodoanel consumará nova derrota do Grande ABC. Não há como escapar. E ainda há ignorantes na praça que não se atualizaram sobre o significado de logística no campo econômico. Acham que é a menor distância entre dois ou mais pontos. Trata-se, isto sim, da melhor distância entre todos os pontos. Menor e melhor podem ludibriar a leitura rápida, mas não engana agentes especializados em competitividade.
GRANDE ABC 1990
Mais ainda se se considerar a quebra de qualidade da mão-de-obra regional, que atinge sobretudo as pequenas e médias empresas, por causa de uma combinação de fatores que vai da perda salarial contínua à limitada oferta das escolas técnicas oficiais. Sem contar que também a mão-de-obra qualificada não resiste à ideia de uma transferência para o Interior. Predominantemente formada de pequenas e médias indústrias, situação aliás pouco lembrada diante do asfixiante domínio econômico dos grandes montadores de veículos, a região sofre também com os percalços históricos desse segmento. Não existe no País qualquer projeto de estímulo às pequenas e médias empresas. Diferentemente da Itália.
GRANDE ABC 2025
As pequenas e médias industriais viraram pó no Grande ABC. Não bastassem os rescaldos de reivindicações e conquistas sindicais que sempre ignoraram tamanhos diferentes, as políticas públicas locais e nacional jamais se voltaram à proteção. Predominantemente de autopeças e ramificações do setor automotivo, as pequenas indústrias do Grande ABC sofreram continuadas quedas. Uma entidade empresarial que chegou a contar com mais de 400 associados no período imediatamente posterior ao surgimento do movimento sindical e que se estendeu aos anos FHC foi varrida do mapa regional porque o setor evaporou como representação de empresas ligadas a empreendedores locais.
GRANDE ABC 1990
Se estivesse, pois, em qualquer posição geográfica do País, a grande maioria das indústrias do ABC teria um quadro de infortúnio a açoitá-las. No ABC, então, agrava-se o desconforto, porque as grandes indústrias são referencial obrigatório das reivindicações trabalhistas. Nos últimos 12 anos, o setor de pequenas e médias empresas, principalmente das unidades dirigidas de forma convencional, passou o sufoco do enfrentamento com a Central Única dos Trabalhadores – CUT -que, todos sabem, não é exatamente compreensiva com os empresários. Máquinas e equipamentos da maioria das empresas estão obsoletos, sem condições de dar respostas aos anseios de produtividade do Governo Federal.
GRANDE ABC 2025
As pequenas empresas industriais da região praticamente sumiram do mapa porque o mapa não foi feito às pequenas empresas quando a internacionalização da produção entra em campo. O que se fez na região então coalhada de pequenos negócios produtivos foi uma carnificina do governo federal. Principalmente as autopeças foram lançadas às chamas da desigualdade produtiva ante montadoras protegidas por alíquotas de importação. Imagine contar com uma pequena indústria jogada no fogaréu concorrencial do capital internacional enquanto as montadoras locais usufruíam de protecionismo? Ficaram, as pequenas indústrias, duplamente desprotegidas. Primeiro de capital internacional, segundo como fornecedoras implacavelmente dominadas pelas grandes empresas. Essa estultice tem nome e sobrenome: Fernando Henrique Cardoso. Bom para o Brasil, péssimo para o Grande ABC. Com a conivência de agentes públicos e econômicos locais.
GRANDE ABC 1990
Aliás, nem as montadoras de veículos escapam desse aniquilamento. Chamados de carroça pelo próprio presidente Collor, os veículos aqui produzidos não perdem para a concorrência internacional apenas quanto à qualidade. Perdem de goleada para os japoneses, americanos e europeus na classificação de produtividade. Gastam-se nas montadoras brasileiras 48 horas para se fazer um carro, contra 17 no Japão e 25 nos Estados Unidos.
GRANDE ABC 2025
Houve em todo esse período muitas mudanças nas montadoras de veículos e também nas autopeças. Mudanças acompanhadas nas empresas do Grande ABC. Mas o custo, claro, foi elevado, até porque competitividade não é pó de pirlimpimpim que não custa dores de cortes de custos, de investimentos em tecnologia, de treinamento do efetivo de trabalhadores. Ou seja: o Grande ABC aumentou a produtividade nos últimos 35 anos, mas não se alcançam resultados transformadores sem a contrapartida de redução do efetivo de mão-de-obra. É assim em todo o mundo, inclusive na China destes tempos. Entramos, portanto, no mapa de efetividade de produção e de produtividade, mas sofremos muito porque os concorrentes que se multiplicaram no País contam com artilharia pesada para disputar cada cliente.
GRANDE ABC 1990
Se dentro das fábricas e nos gabinetes oficiais e empresariais o quadro é de Terceiro Mundo, qualquer análise que se faça da economia regional tem de levar em conta também as crateras sociais criadas pela bomba do centralismo federal. A reforma constitucional de 1988 permitiu aos municípios forte incremento de arrecadação de tributos, mas as duas décadas e meia em que o governo federal mandou e desmandou no dinheiro público feriram de morte a topografia regional, bem como de todas as regiões metropolitanas do País. O cinturão de indigência social que cerca os bairros mais antigos da região é um retrato sem retoque dos erros cometidos. Ainda não se vive tão mal, do ponto de vista de habitação, saneamento básico, saúde e educação, como em muitas das capitais brasileiras, mas o ABC caminha para o estilhaçamento social. O registro de que aportam por aqui 90 mil novos migrantes por ano é assustador. Nasce por aqui uma nova Rio Claro a cada 12 meses, sem que, em contraposição, os investimentos em tudo o que se relaciona a morar bem, acompanhem o mesmo ritmo. Não é à toa que o número de pedintes, de biscateiros, de prostitutas e de menores delinquentes avança nas estatísticas policiais que, por sinal, não são confiáveis, porque há poucos homens fardados para tantas ocorrências.
GRANDE ABC 2025
A exclusão social no Grande ABC está mais presente que no passado, mas não é tão pronunciada nas estatísticas. Afinal, o programa Bolsa Família implantado no primeiro governo federal de Lula da Silva -- e que aumenta a cada temporada o número de beneficiário -- possibilitou a quebra do universo de miseráveis, principalmente, mas é ainda caudaloso o número de pobres, penúltima etapa na hierarquia dos desvalidos. O Grande ABC está tomado de periferias carentes e, mais que isso, controladas pelo crime organizado. E sofre também de baixa mobilidade social, expressão que define a capacidade de miserável virar pobre, de pobre virar classe média precária, de classe média precária virar classe média tradicional e de classe média tradicional virar classe rica. Essa cadeia de evolução passou por dois momentos antagônicos: reduziram-se os contingentes de ricos e de classe média tradicional e aumentaram os universos de classe média precária, pobres e miseráveis. A participação relativa do Grande ABC no bolo nacional do PIB de Consumo sofreu duros reveses na esteira da queda semelhante do PIB tradicional, que mede a produção de riqueza.
GRANDE ABC 1990
Enquanto a miséria e a promiscuidade tomam conta da região, os teóricos do atraso ainda discutem a validade de se alterar a Lei de Proteção dos Mananciais, uma aberração que logo completará 20 anos e que não tem representado outra coisa senão a permissão deliberada para que se construam barracos e mais barracos nas proximidades das águas santificadas pelos oportunistas. Não seria mais racional que se estimulasse o erguimento de indústrias não poluentes, aproveitando-se, pois, toda a infraestrutura de serviços públicos próxima? São Bernardo, que tem mais da metade de seu território envolto pela lei, vê avolumar-se a montanha de favelas, enquanto os alvarás para o funcionamento de novas indústrias longe estão de acompanhar o forte movimento migratório.
GRANDE ABC 2025
A imensidão dos mananciais que ocupam mais da metade do território da região jamais contou com qualquer projeto, quanto mais ações, que se traduzissem em potencialização econômica. Lançar mão do que se chamaria de uma agenda ambiental em combinação com o capitalismo humanizado seria esperar demais de comandos públicos que, ao longo da história, jamais efetivaram iniciativas mudancistas. Discursos não faltam à ocupação da Represa Billings, por exemplo, mas empreendimentos que dinamizem a economia são sempre descartados. Por isso, a situação só se agrava. Turismo ambiental é uma expressão anedótica no Grande ABC.
GRANDE ABC 1990
O incremento industrial do Grande ABC, desta forma, não é uma simples opção de quem precisa atender às demandas sociais, mas uma obrigação de governantes sensatos. Embora faltem dados regionais, porque as prefeituras e as entidades empresariais trabalham sob a obediência ortodoxa de seus limites geográficos, a estagnação do universo de unidades produtivas simboliza o recuo econômico regional, porque na outra ponta está a corrente migratória cada vez mais sufocante. Uma boa alternativa para investimentos, sobretudo de pequenos empreendedores, é a instalação de condomínios industriais. Alguns núcleos de fábricas projetadas para usufruir de vantagens coletivas como sistema de transporte, segurança, agências bancárias, refeitórios, recepcionistas, comunicações, restaurantes, pessoal de manutenção, entre outros pontos perfeitamente adequados ao regime de condomínio, dariam novo impulso à região. O conceito de condomínio industrial poderia agregar também a criação de habitações populares ao redor dos núcleos. As Prefeituras que contam com áreas disponíveis na região poderiam incentivar a formação desses núcleos industriais não só com a concessão de áreas hoje improdutivas e sujeitas a invasões como também na própria preparação topográfica, com terraplenagem. Algo absolutamente normal nos rincões interioranos e que elucubrações ideológicas ou simples desinteresse podem colocar como inadmissíveis.
GRANDE ABC 2025
Com muito empenho e fontes de informações oficiais, CapitalSocial conta com o maior banco de dados e análises da Economia do Grande ABC. E entenda-se também Economia como corredores temáticos complementares. É tradição desta publicação seguir atentamente os passos do Desenvolvimento Econômico e Social da região. Mais que isso: como não é possível compreender a região em que se vive sem conhecer nuances estaduais, nacional e internacional, CapitalSocial aprofunda estudos e análises. Além disso, cria grupamentos específicos para determinados temas. Um exemplo: o G-22 reúne as principais economias municipais do Estado de São Paulo. Desde os anos 1990 CapitalSocial produz análises comparativas que retiram o quadro regional do próprio espelho e o coloca numa multidimensão municipalista.
GRANDE ABC 1990
A malha viária e a infraestrutura de saneamento básico da região já estão em estado de saturação, mas não se pode usar isso como argumento ou bloqueio de investimentos produtivos. Afinal, é justamente a força econômica do carro-chefe da economia regional, a indústria, que permitirá a alocação de recursos financeiros para as cirurgias urbanísticas que se fazem prementes. Discriminar a indústria, enxotando-a ou ignorando-a, é cavar um buraco imenso que meteria a economia regional numa enrascada incontrolável.
CAPITALSOCIAL 2025
A realidade que se consumou e se cristalizou na região é que a deserção industrial avançou e deteriorou ainda mais a qualidade de vida regional. Mais que isso: a infraestrutura viária ganhou novas pitadas de gravidade. A chegada dos trechos complementares do Rodoanel Mário Covas acelerou o processo de desindustrialização. CapitalSocial conta com dezenas de matérias sobre isso. A derrocada é permanente.
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22/04/2025 PIB: LULA IMBATÍVEL? DILMA IRRECUPERÁVEL?