Não tem mesmo jeito. O triunfalismo provinciano solta sempre a franga da prevaricação informativa. Basta um respiro provisório para que fundamentos econômicos ganhem a lata do lixo da inconsistência. Dois meses de saldo positivo do emprego industrial com carteira assinada na região foram suficientes ao deslumbramento. A reindustrialização estaria em plena ação. Só faltou o pra-frente Grande ABC.
Vamos aos fatos: nos dois primeiros meses deste ano apurados pelo Ministério do Trabalho, o saldo positivo do emprego industrial formal na região registrou novas 2.486 vagas. Seria bom se esses números refletissem múltiplos meses do passado recente e confirmassem novos meses à frente. Mas é só esperar para entender que se trata mesmo de um respiro em busca de fôlego perdido.
A reindustrialização do Grande ABC só será uma porta aberta ao que chamaria de mitigação dos estragos – e isso é praticamente impossível com a turma de mandachuvas que temos nas praças – quando houver vigorosa reação que derrube as paredes sólidas das derrocadas de um passado recente.
Reindustrialização é mais que emprego formal conquistado, não custa alertar. Mas, mesmo assim, para simplificar a equação explicativa e interpretativa, quando não analítica, vamos fazer de conta que reindustrializar é o resumo da ópera em forma de geração de emprego no setor.
E vamos, também, esquecer neste texto a expansão avaliativa de reindustrialização no ambiente nacional, seguindo projeto do governo federal. Fica para outro dia.
O fato focal de que cuidamos nesta análise é simples: o Grande ABC iniciou mesmo um processo de reindustrialização que o remeteria aos bons tempos, ou pelo menos, atenuaria os estragos de todos os tempos? Até provas em contrário, que seriam saudadas com fogos de artifício de muita alegria, não há nada que encaminhe a esse sentido libertador.
Vamos continuar mal das pernas industriais porque as pernas industriais continuam presas a duas enfermidades terríveis: a Doença Holandesa Automotiva e a Doença Holandesa Petroquímica. A primeira enfermidade é simplesmente a mais competitiva do mundo. A segunda gera pouco emprego formal. É de capital intensivo, não de mão de obra intensiva.
NÚMEROS SOMBRIOS
Como já escrevemos muito sobre isso, vamos aos números que mais importam agora. Nos últimos 10 anos (ou seja, uma década não padronizada numericamente, mas um intervalo de 10 anos) o saldo negativo do emprego industrial formal no Grande ABC é de 50.913 carteiras de trabalho.
Esse número já incorpora os dois meses de saldo positivo deste ano – 2.486. Do total, 1.257 postos de trabalho negativos se referem aos primeiros 26 meses da terceira gestão do presidente Lula da Silva. Os demais são principalmente relativos ao desastre chamado Dilma Rousseff, a tênue recuperação com Michel Temer e um salto condicionado ao Coronavírus durante o governo de Jair Bolsonaro.
Sempre seguindo os dados dos 10 anos (esqueçam os dois meses completos desta temporada), entre 2015 e 2014, o Grande ABC perdeu internamente participação relativa e absoluta no emprego industrial. A participação relativa restrita aos 10 anos completos caiu de 29,15% de todos os empregos formais de variadas atividades na região registrados em 2014 para 23,33% em 2024. Já em números absolutos, a queda foi de 22%. Vamos explicar:
ABSOLUTOS E RELATIVOS
Números absolutos se referem ao estoque de emprego industrial no Grande ABC registrado nesses 10 anos. Em 2014 o Grande ABC contava com efetivo industrial de 238.722 trabalhadores. Já em dezembro de 2024 o efetivo foi reduzido a 186.233 trabalhadores. Uma perda de 52.489 no estoque de trabalhadores.
Números relativos é o confronto do estoque de empregos industriais no interior do estoque de emprego geral da região nos dois períodos. Em 2014, o total de trabalhadores com carteira assinada na região era de 818.831. Na ponta da tabela, em 2024, atingiu 819.950. Ou seja: outras atividades, de remuneração mensal em média 30% inferior ao setor industrial, apresentam leve saldo de estoque. Não custa lembrar que nesse período o PIB Geral e o PIB per capita do Grande ABC desabaram. Como já mostramos em outras análises.
Perceberam os leitores por que o número de empregos em geral não é sinônimo de desenvolvimento econômico? Sobretudo no Grande ABC, espaço territorial onde a cultural industrial determina o rumo da mobilidade social e do incremento de recursos públicos e privados.
BURACO PROFUNDO
O buraco que persiste no quadro do emprego industrial no Grande ABC nos últimos 10 anos (sem contar os dois parcos meses desta temporada) é de elevadíssima preocupação com o futuro. Ainda faltam 50.913 carteiras assinadas a recuperar. Faça as contas.
Lembram-se do estardalhaço mais que justo causado ainda outro dia com a debandada da fábrica de autopeças da Toyota, em São Bernardo, que se escafedeu rumo à região de Sorocaba? Foram 550 empregos para o chapéu. Pegue os 50.913 empregos industriais que evaporaram apenas nos últimos 10 anos e façam as contas. Dá um total de 92 fábricas da Toyota. Utilizamos o referencial da Toyota porque a Toyota foi muito explorada por oportunistas políticos com suporte da mídia controlada.
Parece bobagem, quem sabe até birra, mas não é nada disso. Toda vez que leio bobagens do jornalismo de papel e também do jornalismo digital me sinto na obrigação de intervir. Coisa de autodenominado ombudsman do Grande ABC. Consumo informação o dia inteiro e no mínimo como cidadão tenho obrigação de questionar.
No caso específico da reincidência histórica da mídia em subestimar a inteligência e a confiança dos consumidores de informação, não há o que fazer senão estrilar. É muita cara de pau tratar o restritíssimo como regra geral. Restritíssimo são os dois meses deste ano, de contabilidade positiva do emprego industrial, e transforma-los em propagandismo de sucesso de uma empreitada – a reindustrialização da região e do País como um todo – como glória a ser comemorada.
TROMBETAS DE FAKE NEWS
A problemática da desindustrialização do Grande ABC não é um tiro curto. É um tiro longo que vem do passado e do passado será muito difícil se desvencilhar. Questões estruturais fartamente explicadas neste espaço impedem que se imponha velocidade de foguete num transatlântico. É incompatível transformar uma tartaruga de perdas em lebre de ganhos.
Sim, a desindustrialização do Grande ABC em todos os sentidos imagináveis (emprego industrial, Valor Adicionado, média salarial, investimentos em tecnologia) é uma tartaruga imparável. Caminha lenta e consistentemente.
Somente no período de Dilma Rousseff, anos 2015 e 2016, deu um salto quântico. Foi a maior recessão em toda a história da região. Perdemos 20% do PIB Geral e 30% do PIB per capita. O Brasil como um todo perdeu 7% no mesmo período em ambas as modalidades do PIB.
Portanto, é melhor ir devagar com o andor dos dois primeiros meses de recuperação ínfima do emprego industrial na região porque o santo da reindustrialização é de barro. Ou alguém tem coragem de defender a tese mais que enlouquecida de que 2.486 novos empregos industriais entre janeiro e fevereiro deste ano atenua o andar da carruagem de desindustrialização que aponta a perda acumulada de 50.913 como saldo negativo no últimos 10 anos de dois meses?
O Grande ABC será incapaz de reagir enquanto houver trombeteiros de fake news.
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