O mercado imobiliário do Grande ABC vive a mesma situação de um carro velho de guerra coberto de poeira numa estrada vicinal porque não consegue nem mesmo se aproximar de um caminhão que insiste em seguir à frente. O balanço do setor divulgado esta semana mostra que no ano passado foram vendidos na região apenas 6,00% do total de apartamentos negociados em São Paulo.
A distância é mesmo preocupante, mas como já se tornou rotina, acaba naturalizada como lógica. O PIB da cidade de São Paulo é apenas cinco vezes maior que o PIB do Grande ABC e a população é quatro vezes maior.
A participação relativa de vendas de imóveis da região frente a Capital já foi levemente pior, em tempos pós-recessão, mas está longe de ser razoável. Nos tempos em que o presidente do Clube dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci, manipulava os dados (cansamos de denunciar as investidas estatísticas) chegou-se a divulgar oficialmente que a participação relativa da região alcançaria perto de 30%. Números fantásticos. Pena que não passavam de alquimias nos interiores da entidade.
30 MIL UNIDADES!
Aqueles 30% aplicados agora seriam mais de 30 mil imóveis vendidos na temporada. A distância para os pouco mais de seis mil mostra o tamanho da desinformação. De fake news que se espalharam no jornalismo profissional.
Segundo boletim oficial do Clube dos Construtores (Acigabc para os associados) foram comercializados no ano passado 6.195 imóveis na região. Os dados do Secovi (Sindicato da Habitação, ao qual o Clube dos Prefeitos está associado e recebe mesadas gordas) apontam que na Capital foram comercializadas 103,3 unidades. É só fazer as contas para se chegar ao resultado final: para cada 100 negócios fechados na Capital , apenas seis são consumados na região.
Somente um desvairado poderia sugerir que o tamanho do mercado imobiliário do Grande ABC (e os valores monetários relativos aos negócios fechados) deveria guardar a mesma proporção do PIB e mesmo às respectivas populações. Esses confrontos não têm esse sentido e jamais teve. Há fundas diferenças econômicas entre a Capital Cinderela e a região Gata Borralheira. Esse é um ponto que deve ser sempre observado.
Mas não é o que principalmente o chefão do Clube dos Construtores, Milton Bigucci, cultivou ao longo de três décadas e meia da entidade e repassa culturalmente ao atual ocupante do cargo de presidente, Júlio Dias Cabricano. Não foram poucas as vezes em que Milton Bigucci divulgou com entusiasmo de mercador o quanto era mais vantajoso morar na região do que na Capital, entre outras razões porque o custo do metro quadrado é muito menor na região.
VENDENDO ILUSÕES
Com isso, Milton Bigucci justificava ou procurava convencer a plateia sobre a alta participação regional frente à Capital. Tudo balela. Os dados oficiais eram outros, mantidos pelo Secovi e resultado de parceria com empresa privada especializada na área. Bigucci anunciava o resultados de contabilidade própria.
É claro que Milton Bigucci e seus seguidores sempre contavam com o desconhecimento dos compradores, principalmente. Não é preciso descer a detalhes econômicos para explicar por que a Capital mais importante do País é um centro catalizador de riqueza, mesmo na convulsão demográfica. descontrolada.
Já o Grande ABC vive de alguns nichos de classe média tradicional e de famílias de classe rica, e uma gigantesca oferta de negócios com a chancela de Minha Casa Minha Vida. Aliás, São Paulo também conta com ofertas volumosas do MCMV, mas reúne muito mais massa crítica econômica. Os resultados estão aí em mais uma temporada de balanço imobiliário.
BOLETINS CRIATIVOS
Colocar frente a frente a dinâmica econômica da Capital e do Grande ABC é tentar iludir a plateia. Como a afirmativa de que o Jabaquara e o Santos têm o mesmo tamanho histórico.
A leitura de boletins de negócios imobiliários produzidos pelos representantes do próprio mercado imobiliário exige muito cuidado. Não é exagero usar o ditado de que se trata da mesma ingenuidade de invadir uma favela do Rio armado de estilingue.
Geralmente, esses boletins tratam em larga escala de um festival de semânticas que procuram dourar a pílula ou dar destaque a indicadores que se sobressaiam sem, entretanto, reunirem forças para alterar o placar final.
Um exemplo: os números sobre lançamentos imobiliários estão a quilômetros de distância da importância hierárquica das unidades vendidas. Lançamentos nem sempre se traduzem em obras. Muitas vezes são medidas burocráticas cautelares corporativas diante de eventuais mudanças de gabarito de construção. Lançamentos imobiliários são o escanteio que se cobra com a expectativa de que alguém vai desviar para o fundo das redes. Unidades vendidas é o gol convertido de fato.
CRESCIMENTO BAIXO
O Clube dos Construtores anunciou nesta semana que as vendas de unidades aumentaram 10,5% na região em relação à temporada de 2023. Mais que isso: se proclamou como o melhor resultado de todos os tempos. No ano anterior, em 2023, foram vendidas 5.599 unidades. E em 2022, 6.640. Ou seja: há alguma inconformidade na comparação. Os dados de agora não batem com os dados a que CapitalSocial teve nos anos anteriores, divulgados pela própria entidade.
O mercado imobiliário brasileiro fechou a temporada passada com desempenho robusto, bem acima do apresentado no Grande ABC, segundo dados da Câmara Brasileira da Industria da Construção –CBIC. As vendas seguiram em trajetória ascendente, com crescimento de 20,9% na comparação anual. Foram comercializados 400.547 apartamentos.
Na Capital, segundo dados do Secovi, o crescimento de unidades vendidas registrou 36% em relação à temporada de 2023. Como no Grande ABC, o mercado foi puxado pelo Minhas Casa Minha Vida, segmento de vendas que significou 57,5 mil unidades. Ou seja: mais da metade do resultado da temporada.
SÃO BERNARDO NA MIRA
O Clube dos Construtores é bom do lobby. Por isso, mais uma vez, durante a reunião de segunda-feira para anunciar os números do ano passado, um dos herdeiros da Família Bigucci, no caso Milton Bigucci Júnior, declarou que um grupo do Conselho Deliberativo da entidade foi criado justamente para produzir o que chama de ajustes no Plano Diretor, mapa da mina de negócios do setor. Esse grupo está atuando diretamente nos interiores da Prefeitura de São Bernardo.
Biguccinho disse que o grupo pretende destravar empreendimento previstos para São Bernardo. Trocando em miúdos: é necessário criar espaços horizontais flexíveis para elevar os espaços verticais concretos. Traduzindo: quanto mais elasticidade no uso e ocupação do solo, mais apartamentos serão construídos por metro quadrado de terreno.
Essa prática de multiplicação espacial do mercado imobiliário é condenada veementemente por urbanistas, entre outros profissionais do setor, porque não considera os estragos ao rés do chão em forma de mobilidade urbana e infraestrutura de serviços públicos.
PROJETO VAI BC
Não se poderia esperar algo diferente de demanda do Clube dos Construtores. Ainda recentemente o mesmo Biguccinho proclamou aos quatro cantos que pretendia ver na região o modelo adotado no Balneário de Camboriú, endereço preferencial dos novos ricos do futebol e do mundo sertanejo, entre outros.
Biguccinho não contextualizou a demanda: não existe praia no Grande ABC, não existem milionários que tenham atração pelo Grande ABC como fonte de suposta valorização de imóveis de cinco estrelas e a logística interna já está saturada não só como espaço de transporte público e privado como também para seduzir investimentos produtivos. É pouco provável que a adaptação do Vai BC resista a qualquer sopro de viabilidade.
No fundo, o que os Biguccis e outros empresários lotados no Clube dos Construtores querem mesmo são as facilidades que Santo André ofereceu nos últimos anos para lançamentos e obras em espaços nos quais o metro quadrado multiplicado pela elasticidade do Plano Diretor transforma lucro certo em lucro muito mais que certo. E também nas periferias, com facilidades semelhantes para apartamentos da linha oficial de Minha Casa, Minha Vida. Santo André explode em habitações nessas áreas e modelos de financiamentos.
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