Sociedade

CRIMINALIDADE: POR QUE
NÃO SENTIMOS MELHORA?

DANIEL LIMA - 25/03/2025

Os índices de assassinatos no Grande ABC, indicador mais impactante à mensuração da atmosfera criminal, melhoraram extraordinariamente. Basta comparar os números atuais com os primeiros anos deste século, e muito mais, ainda, da segunda metade dos anos 1990. Então, por que não sentimos essa melhora na qualidade de vida num dos quesitos mais relevantes à percepção da sociedade, no caso a Segurança Pública?

Tanto não percebemos melhora que em qualquer pesquisa responsável sobre as maiores preocupações da população da metrópole paulista aparecem números indicando a Segurança Pública.

Tanto é verdade que o principal secretário do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, é o ex-prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, requisitadíssimo por toda a mídia. Não  falta demanda de insumos trágicos da vida real.

De imediato vou repassar dois números absolutos que darão o tom objetivo e subjetivo à questão posta: em 2001, ano anterior ao assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, foram registrados 948 homicídios nos sete municípios. No Estado de São Paulo foram 12.475 assassinatos. No ano passado, vejam bem, foram cometidos 131 assassinatos no Grande ABC e 2.517 no Estado de São Paulo. Ou seja: os crimes de morte matada em 2024 foram apenas 13,82% relativamente às ocorrências de 2001 no Grande ABC e 20,17% dos casos no Estado de São Paulo.

ÍNDICES DESPENCAM

Em indicadores mais usuais, a taxa de assassinatos por 100 mil habitantes, padrão internacional, caiu no Estado de São Paulo de 33,30% para 5,65% no mesmo período. No Grande ABC a queda é semelhante.

Com esses dados de uma espécie de guarda-chuva da criminalidade na região e no Estado, não há quem deveria negar que estamos vivendo senão no paraíso, mas próximo disso. Ledo engano. Não há quem tenha juízo que seja convencido de que não vivemos barafunda social. Como se explica isso, afinal?

A tarefa seria mais apropriada a uma banca de sociólogos, psicológicos, antropólogos, policiais, políticos sérios e tudo o mais. Como as respostas seriam múltiplas, o que imporia dificuldades à sistematização de motivações, parto para o caminho da simplificação sem ser simplório, até porque respaldado de fatos e dados.

O que interessa é explicar a queda numérica dos assassinatos, não necessariamente a multiplicidade de razões diretas e indiretas.

Para começo de conversa  -- e se tivesse que definir uma âncora explicativa sem susto -- repetiria o que escrevi já há muito tempo. O assassinato de Celso Daniel em janeiro de 2002 determinou o que considero a mais importante costura reativa dessa história toda. Esse é o ponto central do universo explicativo. O restante são satélites.

A troca do secretário de Segurança Pública do Estado antes que o corpo de Celso Daniel baixasse à terra não foi apenas nominal. Foi de princípios, de conceitos, quase de sobrevivência política, e que implicaria em nova metodologia de trabalho.

Saiu um secretário legado pelo governador Mario Covas, morto menos de um ano antes de Celso Daniel, substituído por um promotor público linha-dura. Os chamados Direitos Humanos foram senão decepados, mas profundamente modificados. Bandido bom é bandido morto não chegou a ser um mote da resposta da Secretaria de Segurança Pública aos criminosos, dos tempos anteriores ao governo de Mário Covas, inclusive com  o espetaculoso caso da matança no  presídio do Carandiru, mas as denunciadas leniências perderam fôlego. 

AOS NÚMEROS

Por conta disso, e na sequência anual de novos dados, desabaram os registros relativos a assassinatos. Mais que isso: praticamente se eliminaram os casos de sequestros. Antes do sequestro e do assassinato de Celso Daniel, em 2001, São Paulo registrava mais de 300 casos. Celso Daniel foi sequestrado por acaso como tantos outros acompanhantes ou motoristas. O resto é especulação política. Já escrevi mais de duas centenas de análises sobre o Caso Celso Daniel.  

Todas as demais explicações sobre a queda de assassinatos na região e no Estado de São Paulo, p0r mais convincentes que sejam, passam necessariamente pelo filtro equalizador do Caso Celso Daniel.

Recorro de novo a números para evitar derivações filosóficas. No ano passado inteiro, inteirinho da Silva, foram assassinadas 30 pessoas em São Bernardo. Em 2001, antes de Celso Daniel virar saudade como o melhor prefeito regional que o Grande ABC já conheceu, foram assassinadas 264 pessoas.

Querem mais dados da região? Em Santo André foram respectivamente 32 e 213, em São Caetano 6 ante 20, em Diadema 237 ante 15 do ano passado, em Mauá 33 no ano passado ante 184 de 2001. Ribeirão Pires entra na contabilidade com 11 assassinatos no ano passado e 22 em 2001, enquanto Rio Grande da Serra contabilizou quatro no ano passado ante oito em 2001. Total, repetido? 131 em 2024 ante 948 em 2001. 

ANTES DE CELSO DANIEL

Se for feita uma nova conta, uma conta que leva em conta a cumulatividade de assassinatos antes mesmo deste século começar, verifica-se duas vertentes que confirmam a importância do Caso Celso Daniel. Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública, entre 1999 e 2001 (portanto, antecedendo a morte do prefeito), foram assassinadas 37.931 pessoas no Estado de São Paulo, o que representa média de 9.482 vítimas. Entre 2002 e 2024, o acumulado de 123.058 assassinados representa média anual de 5.127 pessoas. Fosse considerado apenas o ano passado, a queda seria ainda mais pronunciada, com 2.517 casos.  

Um dos fatores que fizeram com que desabassem os casos de vítimas fatais não está diretamente relacionado ao caos econômico do começo do século, como rescaldo da temporada dos anos 1990, quando o Grande ABC perdeu 100 mil empregos industriais com carteira assinada, na crise mais extensa da economia regional. Pesou mesmo e para valer os acertos de conta, no bom sentido, da falta de acordos, no mal sentido, envolvendo facções criminosas organizadas de São Paulo e do Rio de Janeiro, cada vez mais poderosos desde então.

Chegaram os criminosos organizados à conclusão de que seria melhor acertarem as contas com a distribuição de territórios tendo o mapa nacional como referência. Foi o que se fez. O PCC ficou com o latifúndio da Grande São Paulo e o Estado de São Paulo, entre várias geografias de uma multinacional competentíssima.

REAÇÃO COLETIVA

Daí em diante, estabeleceram-se também novos divisores conceituais, sendo um dos mais vigiadamente respeitados a prioridade de evitar assassinatos para que o ambiente de outros negócios criminais não sofresse atropelos.  

Não vou me estender sobre isso porque não conto cm retaguarda alguma para me defender da podridão político-eleitoral da região, quanto mais de questões mais abrasivas. Mas o caso é exatamente esse: a morte de Celso Daniel gerou reação em conjunto da Polícia Militar, da Polícia Civil, do Ministério Público e do governo do Estado, então sob o comando (comando é força de expressão, claro) de Geraldo Alckimin.

Acho que o leitor começou a entender as razões que levam os moradores do Grande ABC e da Região Metropolitana de São Paulo como um todo a permanecerem inquietos, inseguro e tudo mais quando se trata de medir a temperatura da qualidade de vida sob o ponto de vista criminal.

SENSAÇÃO DE RISCO

Respira-se um ambiente de perigo iminente como também se vive um ambiente de perigo contundente e materializado.  Entre o perigo factual, comprovado nas estatísticas, e o perigo sensorial, a distância é muito inferior ao que pensam os sociólogos de gabinete. A sensação de estar pisando numa granada é permanente, principalmente nas periferias bem controladas por forças  marginais.

Falo com a experiência de ter algumas fontes da periferia como repassadores de informações que, por medida de segurança dessas mesmas fontes, e também minha, prefiro não me estender. O couro come solto nas periferias da região, que pouco se distinguem das periferias de outras metrópoles, embora o combate à criminalidade paulista seja muito mais enfático, contundente e de alguma forma eficiente. Morte matada não agrada ao crime organizado. Só se recorre à alternativa quando a morte em forma de silenciamento passa pelo corredor decisório da cúpula. Os negócios do crime organizado são mais importantes que o crime organizado marcado pela letalidade física.

O ambiente criminal nas grandes metrópoles é administrado com cuidado extremo para dar a impressão de que tudo está em ordem, mas a população aprendeu a distinguir normalidade natural de normalidade tutelada.  Pesquisas revelam tudo isso e muito mais. Até porque, se a taxa de assassinatos desabou, outras modalidades seguem a causar preocupação, mesmo sem terem ganhado impulso. Caso específico de roubo e furtos de veículos: foram 215.011 no Estado de São Paulo em 2001 e 125.692 no ano passado. A melhora é expressiva, mas nem por isso descartável como peça do tabuleiro de preocupações. Em 2001 a taxa de furtos e roubos de veículos no Estado de São Paulo chegou a 1.894,65 por 100 mil veículos, enquanto em 2024 foram registrados 366,10 casos por 100 mil.

Para finalizar precariamente o que reúne muito mais explicações e sempre, nesse caso, considerando-se o Caso Celso Daniel como grande divisor de águas de gestão  na área de Segurança Pública em São Paulo, não se deve subestimar os efeitos emocionais de repercussão incontrolável das redes sociais a cada novo caso em que a vida humana é jogada no lixo da barbárie.



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