Imprensa

MUITO MAIS QUE O
MUNDO REGIONAL

DANIEL LIMA - 09/04/2025

Os leitores que me acompanham não sabem nem imaginam e provavelmente nem suspeitam que a multiplicidade temática em torno do centralismo na regionalidade do Grande ABC é a menor parte de minha ocupação profissional a cada novo dia.

Aparentemente, seria a única, porque minhas análises são predominantes sobre o que se passa nesse território estupidamente dividido e repartido que comporta quase três milhões de habitantes.

Pois todos estão enganados. A menor porção de meu latifúndio profissional é a regionalidade, embora a regionalidade seja a maior parte individual do que consumo e produzo como informação, de fato reflexão,  de fato análise.

Explicando: outros assuntos são uma constante também, mas os aspectos relativos à regionalidade são meu pão de conhecimento, desafios e aperfeiçoamento a cada dia.

Confesso aos leitores que me sinto perdido numa selva de informações contraditórias. Cada meio de comunicação que utilizo para me inteirar do mundo em que vivo está tomado por especificidades que, em larga escala,  desprezam ou não são precisos nas abordagens que desconsiderem principalmente focos de incêndios ideológicos sujeitos a embates sem fim. 

DIREITA E ESQUERDA

Quando leio, por exemplo, um editorial crítico da Folha de S. Paulo dando conta de que o Washington Post estaria virando à direita, depois de se consolidar como publicação de esquerda, fico imaginando como é possível a Folha escrever o que escreveu se a Folha pratica um jornalismo de esquerda disfarçado de tucanagem para ludibriar o distinto público?

Condenar o Washington Post por adernar à direita sem olhar o próprio umbigo,  como se um assassinato editorial houvesse sido cometido,  é subestimar os leitores à direita que acompanham o desempenho da Folha à esquerda.

Quem deve estabelecer juízo de valor sobre a identidade ideológica de uma publicação são os leitores. Os leitores decidem ou não abandonar ou se manterem firmes, mesmo que contrariados.

Como liberal de viés social, fico à vontade ao apreciar essa pendenga repleta de subjetividades e malandragens. Não tenho constrangimento algum em ler a Folha e outros meios igualmente de viés mais socialista que liberal. Tanto quanto não abro mão de ler e ouvir mídias mais à direita. É justamente esse balanço que me deixa enjoado. Faz parte da navegação.

LIBERALISMO SOCIAL

Sem conhecer todos os lados é impossível saber a verdade. Ou mesmo de reconhecer que, nestes tempos de polarização,  a verdade é uma bola murcha de futebol, chutada por zagueiros afobados que não cansam de marcar gol contra.  

Entre Karl Marx e Adam Smith, prefiro a fusão de tudo que consumo e assumir minha posição de autolibertação. Já conheci gente demais que defende o Estado Todo Poderoso porque usufrui do Estado Todo Poderoso. Já conheci gente demais que defende o livre mercado, mas se locupleta da liberdade de empreender ao sobrepor a meritocracia pelo compadrismo, favoritismo e outras modelagens pecaminosas.  E geralmente em conluio com o Estado.

Basta observar algumas logomarcas locais para entender o jogo jogado com vícios cabulosos, sob a complacência de autoridades ministeriais e judiciais. Alguns bandidos sociais chegam até a contar com o suporte de instâncias criminais.

A Folha deveria, portanto,  assumir que é um jornal de centro-esquerda, com tendência à esquerda mais robusta, e que a maioria de seus colunistas, que consumo avidamente, é igualmente participante dessas duas porções quase siamesas.  

CONTRADIÇÕES SEM FIM

Poderia citar dezenas de exemplos de contradições à direita e à esquerda no noticiário diário das publicações de papel e digital que devoro. O Estadão, ao qual tenho acesso como assinante da versão digital, se vira nos 30 para parecer de centro, fixado em determinados preceitos para honrar a camisa muito mais que centenária.

Deixei de assinar o Estadão de papel após a mudança de formato físico. A Folha fez o mesmo. Perdoei a Folha porque faço coleções temporárias de textos e nada substitui o papel para quem é da geração Baby Boomer. O novo formato dos dois jornais é uma fraude ao leitor-consumidor-assinante. O volume de informações foi impactado na quantidade.

Já o Diário do Grande ABC é uma carta fácil de decifrar, porque nem é carta nem está exposto à decifração. É flagrantemente um jornal direcionado cada vez mais ao endeusamento do poder municipal. É impossível esconder a preferência pelo elogio e pela crítica de conveniência. Tudo é escancarado na política editorial de mão única para os mais próximos e de contramão única para os desafetos. 

FINAL DE CAMPEONATO

Acho que a função de ombudsman que exerci durante dois períodos no Diário do Grande ABC,  e reproduzi quando adotei o mesmo princípio nesta revista digital, inclusive ao me autoproclamar “Ombudsman do Grande ABC”, me tornou mais escravo da sensibilidade crítica aguçada.

Já expliquei em outra ocasião o que faz a diferença entre se assumir ombudsman no jornalismo e ser jornalista crítico sem o encabrestamento oficial de ombudsman.

Acompanhar qualquer veículo de comunicação quando o espíritode ombudsman entranha no profissionalismo modifica completamente a forma de consumir informação. Faço isso constantemente. Aliás, faço isso sempre.

Não consigo ler ou ouvir um noticiário ou análise, seja lá o que for, sem recorrer ao aparelho de oxigenação técnica de ombudsman. O jeito de ler ou ouvir é completamente diferente para quem se mete a ombudsman. O leitor comum é um jogador de futebol numa pelada de bairro. O leitor- ombudsman é um jogador de futebol numa decisão de campeonato.

GRANDES JOGOS

Falando em futebol, o mesmo princípio determina minhas observações nos jogos que assisto. Diferentemente de alguns amigos que acompanham partidas de todos os cantos, divisões e qualidades técnicas, reservo meu espaço para o futebol apenas aos grandes jogos de futebol ---- e a leituras especiais, do macro futebol, por assim dizer. Principalmente nestes tempos de futebol de negócios.

Minha opção pelos grandes jogos tem explicação. Primeiro,  porque detesto pernas de pau tanto no futebol quanto no jornalismo. Segundo,  porque meu tempo diário é curto para me abastecer de conhecimento. Tenho apenas 17 horas por dia acordado para dar conta de todos os babados.

Mantenho uma carga horária dedicada à leitura que ficaria fulo da vida e reclamaria ao bispo caso seja colhido pelo Alzheimer. Uma das recomendações médicas para jogar na lata do lixo essa enfermidade é justamente a leitura constante. Outra, é manter-se fisicamente ativo. Sedentarismo, jamais. Leio muito. Por isso não sei se sou um leitor constante ou um constante leitor.  

DUPLA AVALIAÇÃO

Ver futebol como crítico que jamais deixei de ser, já que aos 16 anos quando me meti no jornalismo foi correndo atrás de bolas de futebol em forma de notícias, é tarefa que me leva a duas avaliações.

Se o jogo não for de meu interesse no placar, o vejo com certa aquiescência de telespectador, não como devotadíssimo observador. Reservo essa condição, e mesmo assim cada vez menos incidente, porque desgastante,  aos jogos em que me dedico ao desafio de entender as duas equipes e decifrar as nuances, bem como os resultados.

Detesto ficar sem saber por que meu time ganhou, empatou ou perdeu. Me aconselho muito comigo mesmo sobre essa tarefa. Tenho também auxiliares virtuais de grande capacidade na mídia. São poucas, é verdade, mas são respeitáveis.  Um dia falo sobre eles e dou nome aos bois. Cada um desses curadores tem características próprias, que se completam. Um PVC matemático difere de um Caio Júnior conciso, tanto quanto um Alexandre Lozetti,  mistura dos dois modelos.  

DOIS TIMES

Digo sempre aos mais próximos que cada partida de futebol tem uma história não necessariamente diferente, mas explicativa. Nenhum resultado é obra do acaso, exceto se o imponderável da silva entrar em campo. Nem sempre o melhor time vence um jogo, mas num encadeamento de jogos típicos de pontos corridos, a classificação final espelha o desempenho médio dos participantes. Há temporalidades ao longo da competição. Há equipes que disparam na largada e abrem o bico na chegada. E outras, completamente inversas.

Aprendi o que muitos torcedores e aficionados seguem a ignorar por serem extremistas da bola: invariavelmente o time de preferência da gente perde um jogo ou empata um jogo que não gostaríamos que perdesse ou empatasse porque o adversário foi igual ou melhor. Quem não vê duas equipes em campo precisa de tratamento emocional, não oftalmológico.

Estou encafifado nos últimos dias porque produzi há três anos uma espécie de manual de um jogo de futebol como diretrizes para definir os fatores que determinam ou podem determinar o resultado final. O leitor não tem ideia de tantas variáveis contidas. Mas, entretanto, porém e todavia, eis que deu pane no meu computador e perdi várias anotações. Como tenho certeza de que o dito manual foi impresso como uma maneira de me dedicar mentalmente aos pontos anotados (algo incomum na minha preparação para escrever), a esperança é de que vou encontrar o material. O resgate me permitirá dedicar um texto sobre isso.

MANUAL PERDIDO

Se não conseguir, minha cabeça ainda funciona e provavelmente reinstalaria todo o conjunto de indicadores no mesmo computador,  agora sob controle. Sim, sob controle, porque desconfio de que fiz barbeiragem que levou a máquina a gritar por socorro, sem que antes me desse um drible da vaca de desperdício.

Garanto aos leitores esportistas que jamais tomaram contato com uma variável tão interessante de pontos cardeais que, utilizada como âncora, contribuiria para todo analista de futebol compreender melhor o que se passa em campo.

Quando o craque minimalista Memphis Depay disse outro dia que futebol não se joga apenas com os pés, mas também com a mente, creio que muito disso está num dos tópicos que virou indicador no meu mapa da mina explicativo. É possível que o holandês/brasileiro se refira, no caso, à atmosfera de um jogo de futebol. E atmosfera se produz inclusive com subida na bola, como ele o fez na decisão com o Palmeiras. O jogo acabou ali. Não faria jamais o que Memphis fez, mas proibir que ele e outros o façam é autoritarismo.

FESTIVAL DE ATRAÇÕES

Acreditem os leitores que nas 17 horas diárias que me dedico à profissão, com direito a no máximo sete horas de sono e de passeio com minhas cachorras, quando, aliás, promovo um turbilhão de ideias, acredite os leitores que nas 17 horas mencionadas me lanço profundamente no mundo de análises, notícias, podcast e tudo mais. Correr com a cabeça livre, leve e solta é uma forma, também, de enganar o cansaço.

Quando preparo o almoço de minhas duas cachorras, não abro mão de acompanhar podcast. Os assuntos dependem da ordem do dia mental. Pode ser tudo, inclusive alguma bobagem como passatempo. Não há cérebro, ainda mais cérebro impactado por um tiro no rosto, que esteja o tempo todo disposto a cumprir tarefas profissionais. Mas não existe nada padronizado. São fugas aleatórias e reconfortantes.

Pode ser que também melance a curtir música de qualquer genealogia,  como também a um balanço da Bolsa de Valores, quando não a digladiadores de direita e de esquerda nestes tempos de anistia. Coisas assim.

PASSADAS ESSENCIAIS

É lógico que nessas 17 horas de cada jornada diária não me lanço exclusivamente a informações do Diário do Grande ABC, da Folha de S. Paulo, do Estadão e do Valor Econômico, minhas leituras diárias, e de uma imensidão de sites. Não custa repetir sempre que preciso de uma hora diária para minhas corridas restauradoras. Corridas, aliás, que são um momento sagrado. Por isso volto ao assunto.

Minhas reflexões a cada passada são uma fonte de inspiração. A bagunça organizada deste texto saiu de uma de minhas corridas nas ruas do Jardim do Mar, em São Bernardo.

Tomo todos os cuidados do mundo para não ser atropelado por pedestres. Motoristas são mais respeitosos e atentos. Pedestres são uma praga, principalmente no único ponto de ônibus no meu caminho, em frente à Vera Cruz, na Lucas Nogueira Garcez. Parece que eles fazem questão de medir a distância que os separa do ônibus que chega sem olhar para mais nada.  Sempre há um descuidado a exigir atenção redobrada para não ser atropelado.  

MEDO DE CAIR

Tenho pânico só de pensar em ser derrubado. Minha corrida é em linha reta, sem maleabilidade física, por conta de efeitos corporais no tronco depois do tiro daquele primeiro de fevereiro. Corro sob o impulso de cada passo que traciona o passo seguinte. Por isso resisto bem aos oito quilômetros diários. Andar é outra história. Sem a mesma tração corporal, mal consigo suportar meia hora de supermercado.

Em resumo, minhas 17 horas diárias de atividades físicas e mentais são um extraordinário compêndio de agradecimento por estar nessa praça chamada terra. Não tenho limites ao aprendizado. Desfruto de todas as mídias possíveis. Inclusive internacionais, graças, claro, às traduções. Quem não sabe o que acontece no mundo politico e econômico não pode avaliar a realidade regional.

Querem um exemplo: lideranças metalúrgicas de São Bernardo foram à China em busca de reforço de investimento, em forma de novas fábricas aqui. Os chineses têm a mão de obra mais barata entre as grandes nações.

Em termos comparativos, pagamos na região relativamente melhores salários nas montadoras e autopeças do que eles lá. Essa é uma construção histórica dos mesmos metalúrgicos que, vejam quanta estupidez, querem destruir com os chineses pragmáticos. Basta ver o que fazem na Bahia ao ocupar o espaço que era da Ford. 

PERFIL DOS COLUNISTAS

Conheço sem margem de erro o perfil de cada colunista nacional e internacional do jornalismo de papel e digital de diversas especialidades. Inclusive de comportamento, de televisão, de tudo que você imaginar. Saber decifrá-los não quer dizer que sei o que eles sabem, mas sei o que eles são. E o que sou também. Quanto mais souber do muito que eles sabem menos medíocre serei. E conhecimento de valor agregado é uma forma de multiplicar conhecimento pelo processo de retroalimentação. Ganha-se em produtividade e escala.

Portanto, e para finalizar, não sou um regionalista qualquer. Poderia substituir facilmente essa labuta diária direcionada ao público do Grande ABC por investida completamente diferente, inclusive voltando às origens do futebol.

Só meu manual fugidio teria insumos para pelo menos 30 edições. Que virariam um livro. Sou apaixonado por futebol. Não perco as coberturas pós-jogo de diferentes técnicos. Acho Abel Ferreira um espetáculo de competência, um Ramon Diaz e seu filho Emiliano um show de paciência, um Renato Gaúcho um extremo de arrogância divertida. A diversidade do mundo é o toque de excelência de apreciar o mundo.

TRIO FORA DE FOCO

Só não vou dizer agora o que acho dos comentaristas, dos narradores e dos repórteres porque já cheguei ao limite de caracteres que me imponho diariamente. Poderia escrever, por exemplo, sobre o trio da Prime que transmitiu a vitória do Corinthians sobre o Vasco.

Galvão Bueno, Mauro Naves e Vanderlei Luxemburgo foram um horror. Eles se preocuparam em contar velhas histórias do futebol e se esqueceram que o telespectador quer narração, reportagem e comentários entre outras razões porque o foco no básico mantém a atenção no que interessa – ou seja, no que está ocorrendo em campo. Tive um trio de ouro numa noite de opacidade prática. Eles perderam a mão. Programa esportivo e transmissão esportiva são coisas distintas.

Minhas costumeiras 17 horas de vida acordado pode não ser o melhor possível para você, mas para mim é, nestas alturas do campeonato, uma maravilha. Há baixa octanagem de estresse, desgaste que é combustível de vida quando se é mais jovem. Entretanto, quando se chega a terceiro ciclo de vida, estresse pode ser veneno.

TEMPO COMO ALIADO

O resumo final dessa ópera é que o tempo não pode ser um inimigo do tempo de que dispomos para fazer do tempo o que o tempo nos proporciona. Acelerar e reduzir a frequência continuada do tempo que sempre passa é uma operação que só o tempo é capaz de ajustar, desde que seja possível evitar que aqueles que não sabem dar tempo ao tempo nos atrapalhe.

Faço de cada 17 horas de vida ativa de meu tempo exercício em busca da sabedoria de usar o tempo como aliado. E tempo como aliado é o tempo que nem sobra nem falta ao final de cada jornada. Cabeça vazia de ambição intelectual é  maquinaria do diabo da mesmice. Pena que a gente só conheça o segredo do tempo equalizado quando se descobre que o tempo tem tempo limitado pela probabilidade existencial.



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