Política

DA BOCA DO JACARÉ
AO BEIJINHO DOCE

DANIEL LIMA - 29/01/2025

De fevereiro de 2023 a janeiro deste ano o presidente Lula da Silva saiu do estágio da boca do jacaré e chegou ao beijinho doce. Calma lá que a conjugação de duas metáforas aparentemente favoráveis a Lula da Silva é uma encrenca popular. Surgiu à mente uma outra imagem que substituiria o beijinho doce. Não acho conveniente o uso porque teria conotação, vamos dizer assim, menos ortodoxa, mais apropriada a sites pornográficos, porque remeteria a uma agulha.  

Antes de tudo quero dizer que já há algum tempo não escrevo sobre pesquisa diretamente ou não ligada a eleições. Dei um tempo e vou continuar a manter-me distante Já esgotei o estoque de paciência. Se houver novidade na praça que não seja maculada por interesses mais que escancarados, quem sabe volto a campo. Tenho paixão por pesquisas. De todos os tipos e assuntos. Assim como por táticas de futebol. Sem contar minúcias da Economia.

A pesquisa de que trato hoje foi produzida por um instituto do qual também desconfio. Seu comandante tem relação antigas com a esquerda. E não é exatamente porque as relações são com a esquerda, como poderia também ser com a direita. É porque ao ser o que é e ao que poderia ser, inversamente, o descredenciamento sempre bate à porta. 

PLACAR ESTICADO

Mas vamos ao que interessa. Divulgou esta semana a pesquisa da Genial/ Quaest que Lula da Silva perdeu pela primeira vez a vantagem de aprovação contra reprovação. O eleitorado ouvido coloca a reprovação do presidente num patamar de 49%, ante 47% de aprovação. Em outubro do ano passado, penúltima sondagem publicada, Lula pontuava 51% de aprovação e 45 de reprovação. As pesquisas anteriores sempre foram favoráveis ao petista.

O que faltou à maioria dos analistas (e não captei em nenhum deles o que vou passar adiante) foi uma abordagem que tem muito mais força como indutora a interpretações mais consistentes, ou seja, levando-se em conta dados que não se prendam ao curto prazo, entre uma pesquisa e outra, principalmente entre a penúltima e a última. Breve intervalo de tempo sugere efeitos analgésicos. Comparações mais esticadas recomendam cirurgias.

Fosse  prévia eleitoral, o termo correto seria tendência de voto. Como se trata de avaliação do presidente, o melhor é chamar de tendência de comportamento do eleitorado.

DOIS ANOS DE DADOS

Por isso, nada melhor que pegar pelo braço pedagógico e explicativo a primeira pesquisa da Quaest após o início de mandato de Lula da Silva e comparar com a mais recente. A primeira é de fevereiro de 2023 e a última, como já disse, de janeiro agora.

Se apenas dois pontos separam a aprovação a Lula da Silva e a reprovação a Lula da Silva neste janeiro, portanto com domínio do fator negativo, o que se oferece numa linha do tempo mais esticada e, portanto, mais esclarecedora do que pode estar reservado no futuro mais que perto, é uma contração constrangedora.

A bocarra aberta do jacaré se fechou a ponto de, ao se contrair,  virou um beijinho doce. Os lábios sincronizados se fecham e se projetam adiante em sinal de carinho ao interlocutor ou ao passante conhecido.

Não vou esticar aqui a conversa em torno das razões que levaram o governo federal a perder todo o capital de aprovação ante o de reprovação do eleitorado. São tantos os motivos que basta observar que não é toa a troca do ministro da Secretaria de Comunicação, com um político substituído por um marqueteiro, Sidônio Palmeira. Ou seja: saiu do time um amador na área e foi convocado um industrializador de fake news.

Basta recorrer ao arquivo e observar as declarações de Sidônio Palmeira durante o cerimonial de posse para entender que já foi deflagrado o vale-tudo. Está claro que o governo federal resolveu congestionar ainda mais,  principalmente mas não  somente as redes sociais com tranqueiras que inundam a política nacional à esquerda e à direita.  

A boca do jacaré que contemplava Lula da Silva com ampla vantagem no segundo mês de mandato era mesmo ampla e irrestrita. Lula contava com aprovação de 56% dos entrevistados, enquanto a reprovação não passava de 28%.

O que muitos analistas não fazem mas deveriam fazer é, para efeitos mais esclarecedores de mudanças, considerar que os dois pontos percentuais deste janeiro de 2025 não querem dizer muita coisa, senão uma espécie de empate técnico que, supostamente, poderia enganosamente sugerir que não haveria grandes transformações na cena política e econômica nacional.

Mas não é essa a situação. Na boca do jacaré a vantagem de Lula da Silva registrava 28 pontos percentuais – 56% menos 28% em janeiro de 2023. Convenhamos que era uma diferença monumental, a insinuar que Lula da Silva poderia sustentar uma média de certo conforto para ingressar nos dois últimos anos de governo preocupado apenas em calibrar a maquinaria para chegar ao quarto mandato.

BOCA SE FECHOU

Acontece que durante esses dois anos a boca do jacaré foi se fechando até virar o biquinho labial sarcástico dos adversários do petista. Nas pesquisas subsequentes às de fevereiro de 2023, a reprovação a Lula da Silva foi subindo gradualmente até alcançar  49% de agora.

Não bastassem as travessuras numéricas da avaliação pessoal do presidente da República, o Quaest detectou que a avaliação do Governo Lula também está definhando. No mesmo fevereiro de 2023, o Governo Lula registrava 40% de Positiva, ante 24% de Regular e 20% de Negativa. Agora em janeiro os números são os seguintes: 37% de Negativa, 31% de Positiva e 28% de Regular.

Reparem que o saldo de pontos entre a avaliação Positiva e Negativa do Governo Lula, em fevereiro de 2023, registrava 20 pontos percentuais, (40% a 20%) e agora em janeiro deste ano caiu para o prevalecimento da Negativa em oito pontos percentuais, ou seja, 37% a 31%. A diferença percentual entre Positiva e Negativa que era de 20 pontos deu uma reviravolta e a avalição Negativa agora é de seis pontos percentuais. Então, de fato, a distância sofreu inversão de valores e o critério Negativa passou a contar com incremento de 26 pontos percentuais em dois anos:  Menos-20 para Mais-Seis.

Há outras informações importantes que saem das planilhas da Quaest, mas, para efeito desta análise, não serão priorizadas. O que mais queria dizer é o que estou produzindo e que deveria ser transformado em assunto principal em termos de resultado.

OUTRA ABORDAGEM

Por exemplo: o título da matéria publicada pelo Valor Econômico (“Pela 1ª vez, desaprovação da gestão Lula supera a aprovação”) poderia ganhar outra configuração, mais ou menos nos seguintes termos: “Reprovação a Lula aumenta 28 pontos e supera aprovação em dois anos de mandato”.

Para quem acompanhou as disputas eleitorais na região no ano passado, não há surpresa nesses dados. Se a memória não estiver a falhar, somente em Diadema, a terra mais vermelha da região, onde Lula sempre alcança os melhores resultados, o presidente da República sustentou  vantagem nos mesmos critérios da Quaest. Ou seja: contou com aprovação maior que reprovação, embora sempre superado pelo governador Tarcísio de Freitas.

Se na região onde Lula da Silva ainda é um concorrente com forte apoio popular (distintamente dos candidatos petistas locais a prefeito) o ritmo da chuva de ácido já incomodava, imagine no País como um todo. Somente resta o Nordeste como reduto eleitoral mais volumoso do presidente da República.

BURACO DA AGULHA?

Insisto em não mergulhar no conjunto de motivos que levaram o governo Lula e o presidente Lula ao desgaste que precisará de correção drástica para que a competitividade eleitoral em 2026 não seja comprometida.

Mas é impossível não fazer correlações com a inflação, com a patacoada do Pix, com a gastança pública, com a taxa de juro (consequência da gastança, não origem) relações internacionais tormentosas com gente malvista pelo eleitorado conservador, entre todas outras razões, inclusive questões de identitarismo de vários calibres que a eleição e a posse de Donald Trump internacionalizaram como desvio a ser combatido duramente e que, verdade, já produzira estragos locais. Não estou emitindo juízo de valor sobre isso, embora tenham se registrado casos chocantes diante dos evangélicos, principalmente, que representam 30% dos votos.  

Para encerrar: você acha que este jornalista deveria ter substituído beijinho doce por algo abrasivo ou essa possibilidade não passaria pelo buraco da agulha do pensamento moral?



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