Ao terminar de escrever este ensaio, a única certeza que terei é de que o conteúdo já estará ultrapassado. A velocidade com que caminham a comunicação pública e os suportes que a alicerçam não pode ser acompanhada pelo texto escrito. É uma luta intelectual injusta, como se o diagnóstico da comunicação pública — cujo conceito em breve trataremos — subisse pelas escadas e a prática cotidiana das assessorias de Imprensa das prefeituras e repartições públicas do Grande ABC tomasse o elevador.
A experiência que vivo na administração pública de Santo André desde 1991 ilustra bem o avanço tecnológico que impacta diretamente na qualidade e velocidade da comunicação dirigida ao munícipe. No início dos anos 1990 tínhamos duas linhas telefônicas (ramais) disputadas com afinco para “vender” pautas às redações e receber as demandas dos jornalistas. O suporte eram dezenas de laudas de papel construídas nas diversas máquinas de escrever e distribuídas às redações via correio ou pelo motorista, nos casos mais urgentes. O barulhento aparelho de telex também era de grande valia, mas um luxo ao qual nem todo jornal tinha acesso, apenas as grandes redações. Fotografias dos eventos demoravam dias para ser reveladas, reproduzidas e distribuídas.
Três anos mais tarde, um avanço tecnológico colocou de lado o aparelho de telex: o fax. Maravilha da década de 1990, o fax permitia passar documentos ou texto jornalístico para as redações apenas com auxílio da linha telefônica. As máquinas de escrever foram substituídas e alguns jurássicos computadores já podiam ser encontrados, mesmo que poucos soubessem utilizá-los. Menos de 10 anos depois, após passarmos pelos disquetes, CD-ROMs e outras opções hoje arcaicas de armazenamento de informações, temos nas redações e assessorias a informatização total, o envio de notícias e imagens no momento em que o fato acontece, a troca de informações entre jornalistas por e-mail, chats e celulares, e os sites das administrações públicas disputando espaço com a mídia como produtores de conteúdo informativo. É a convergência. O desafio proposto é tentar especular: o que nos espera daqui pra frente?
Trabalhar com informação no setor público, ao contrário do que muitos pensam, não é fazer marketing de quem ocupa o poder, uma vez que é de responsabilidade do Estado e do governo estabelecer fluxo informativo com os cidadãos. Dessa forma, a comunicação pública é entendida como processo interativo das instâncias da sociedade que trabalham com a informação voltada para a cidadania. Alguns teóricos entendem a comunicação governamental como comunicação pública. Trata-se de um instrumento de construção da agenda pública que direciona trabalho para a prestação de contas, para o estímulo ao engajamento da população nas políticas adotadas e para o reconhecimento das ações promovidas nos campos político, econômico e social — em suma, provoca o debate público. O que é consenso é considerar a comunicação governamental uma forma legítima de um governo prestar contas e levar ao conhecimento da opinião pública projetos, ações, atividades e políticas que realiza e que são de interesse de todos.
Acadêmicos enumeram algumas funções da comunicação pública: informar (levar ao conhecimento, prestar contas e valorizar); ouvir as demandas, as expectativas, interrogações e o debate público; contribuir para assegurar a relação social (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator); e acompanhar as mudanças, tanto comportamentais quanto de organização social. Os teóricos fazem também distinção entre comunicação governamental, comunicação política e comunicação pública. Consideram que a primeira é praticada por determinado gestor visando à prestação de contas, além do engajamento da população nas ações adotadas e o reconhecimento popular dessas ações. Quanto à comunicação política — ou marketing político, expressão mais usual nos últimos anos –, carece de indispensável legitimidade para ser pública, respeitando-se o sentido estrito do conceito. As duas buscam atingir a opinião pública, quase sempre com métodos publicitários, encontrando respostas rápidas e efeitos imediatos que podem ser auferidos nas pesquisas e que sempre se mostram efêmeros. Por fim, os pesquisadores acreditam que a comunicação pública, ao contrário, se faz no espaço público, sobre tema de interesse público. Até certo ponto, pode ser considerada cívica.
O que alguns governantes e os próprios responsáveis pela comunicação institucional das prefeituras, governos, terceiro setor e ONGs não percebem claramente é que a Imprensa é apenas um dos públicos com os quais essas entidades devem se relacionar. Há ainda outros poderes constituídos, fornecedores, associações de bairros, servidores, formadores de opinião, etc. É preciso fazer a gestão de visibilidade. A cada dia, com auxílio da
tecnologia e consequente inclusão digital, aparecem novos canais para governantes se comunicarem com esses colaboradores diferenciados e também com os cidadãos, com forte componente político participativo. Entre os novos canais podemos apontar ouvidorias, as linhas 0800, os conselhos de moradores e audiências públicas, entre outros, que garantem participação mais ativa e consciente dos munícipes.
Fazendo rápida analogia no campo médico, nem sempre é possível receitar o mesmo remédio para pacientes diferentes. É equivocado acreditar que matéria sugerida por assessoria de comunicação, ao ser publicada no jornal ou revista de maior circulação local, irá atingir 100% da população. Deixam-se de lado os fatores alfabetização, acesso à mídia, grau de compreensão do público-alvo, entre outros, responsáveis pelo ato de comunicar e compreender. Há, todavia, emissão de informação. Não há, contudo, a comunicação propriamente dita. É importante, pois, a variação de veículos de acordo com cada público envolvido.
Com a mudança de perfil profissional das assessorias de comunicação, muitas vezes com a presença de comunicadores que já atuaram em redações e, também por isso, sabendo como funciona o chamado “outro lado do balcão”, além da crescente oferta de informações em portais de prefeituras e órgãos públicos, cada vez menos as administrações necessitam da mídia como parceiros únicos na divulgação de notícias institucionais. As assessorias de comunicação governamental passaram a ser não apenas produtoras de conteúdo mas também disseminadoras de informação, papel que costumeiramente era reservado aos veículos de comunicação. Dessa forma, estreita-se o caminho e aumenta-se o contato entre público e governo sem a intermediação da Imprensa, minimizando custos de publicidade para a administração e reduzindo ruídos entre o que o governante quer divulgar e o que a mídia quer publicar.
Nessa lógica de produção de conteúdo sem necessidade de um veículo para atingir o público específico, o gestor pode reservar mais poder para reverter a lógica da agenda-setting. A agenda-setting consiste na capacidade dos veículos de comunicação de massa em pautar para a sociedade os temas para debate e de boa parte das interações do cotidiano. Acredita-se que a sociedade tende a incluir ou excluir do debate os temas que a mídia inclui ou exclui do seu sistema de seleção dos assuntos.
Com essa nova forma de atuação, acumulando os papéis de produtor e disseminador de informações, o setor público pode investir no contra-agendamento, hipótese de trabalho em que governo e sociedade também têm pauta que desejam incluir na agenda da mídia. O contra-agendamento de um tema pode ser parte de mobilização social ou de plano de enfrentamento de problema coletivo. Ao usar a capacidade de divulgação de notícias por meio de veículos próprios (sites, jornais institucionais, outdoors etc.), o Poder Público obtém força para não mais esperar que a mídia lance a pauta, mas que acolha sugestões que possam impactar a sociedade. Inverte-se a lógica da redação: a notícia não parte apenas da Imprensa, mas vem do governo.
Mídias ligadas a grupos políticos
e econômicos se pautam por
interesse próprio e não público
Não depender apenas do jornalismo para fazer com que ações promovidas por instâncias governamentais cheguem ao cidadão apresenta aspectos positivos, mas também os negativos. Nesse rol inclui-se o risco de uma informação chapa-branca, ou seja, que só aponte as ações positivas do Poder Público, encobrindo áreas que não andam tão bem quanto os eleitores pensam e desejam. Por outro lado, ao necessitar menos da atuação da Imprensa, principalmente de veículos cuja pauta nasce no departamento comercial e não no de jornalismo, evitam-se pressões comuns praticadas por mídias que dependem de anúncios públicos para se manter.
A lógica pode ser dura e, às vezes, incompreensível para quem está fora do circuito, mas resume-se em muitos casos ao condenável toma-lá-dá-cá: se há anúncio, há matéria positiva; se não tem verba publicitária para o veículo, a pauta coincidentemente fica negativa. O que esquecem é que o recurso público investido na comunicação também é pay-per-view, só que com dinheiro vindo de impostos pagos pelo contribuinte e que deve ser tratado com zelo. E não é só isso: veículos de comunicação vinculados a grupos políticos ou econômicos tendem a agendar edições a partir de interesses particulares, isto é, o critério de noticiabilidade nem sempre se move pelo que se conhece como relevância pública.
O desafio que a comunicação pública do Grande ABC deve enfrentar em tempos vindouros é o de funcionar de forma integrada. Não é só em ações de assessorias de Imprensa que gestores públicos devem calcar esforços para atingir objetivos junto aos cidadãos. É claro que, quanto mais força tiver a assessoria de Imprensa, maior influência nos órgãos jornalísticos e pressão na escolha das pautas que rendem notícias. Entretanto, para funcionar de forma integrada, a política de comunicação do setor público deve emprestar o know-how da iniciativa privada e adotar o chamado mix de comunicação integrada, que é composto por assessoria de Imprensa, relações públicas, merchandising e comunicação promocional e publicidade.
A pesquisadora Margarida Kunsch, da USP (Universidade de São Paulo), define que a comunicação integrada é a estruturação da comunicação nas organizações que congrega dois vértices: comunicação institucional e comunicação mercadológica. Segundo a professora de Relações Públicas da USP, a atividade pode ser entendida como um trabalho unificado dos profissionais de diversas áreas das organizações, realizado sinergicamente, em que cada um desenvolve sua função, porém todos com objetivos em comum, tendo em vista, sobretudo, os públicos a serem atingidos. A soma de todas as atividades redundará na eficácia da comunicação nas organizações, sejam públicas ou privadas.
O pensador Norberto Bobbio defende a tese de que o índice de desenvolvimento democrático de uma localidade não pode ser relacionado ao número de pessoas que têm o direito de votar, mas ao aumento do número de instâncias e espaços em que o cidadão pode participar como eleitor e ser eleito. Para Norberto Bobbio, a democracia não deve temer novos espaços de participação. Ao contrário, deve multiplicar infinitos espaços, através dos quais as relações de poder possam estar sujeitas a diferentes contestações.
Por força da Constituição Federal de 1988, há no setor público necessidade de promover a participação da população nas decisões governamentais. Como se todos morassem num grande edifício em que o prefeito fosse o síndico, sendo dele a obrigação maior — e aí entra mais uma vez o papel importante da comunicação — de incentivar sistemas de co-gestão, autogestão, planejamento participativo, orçamento participativo, comunidades virtuais e instrumentos de consulta constitucional.
No Grande ABC algumas cidades já adotam o orçamento participativo como instrumento de controle social sobre a destinação de verbas públicas. Entretanto, o desafio é tornar cada vez mais transparente o andamento das obras eleitas como prioritárias. Fica a sugestão adotada pelo Estado do Rio Grande do Sul, na gestão Rigotto-Hohlfeldt, em que o controle daqueles que votavam a prioridade se dava pelo número do título eleitoral (evita-se, por exemplo, que o mesmo morador eleja prioridades fora de sua área de moradia). No modelo gaúcho, todas as obras aprovadas podiam ser acompanhadas pela Internet, onde o contribuinte sabia o custo, o andamento e inclusive o nome e telefone do servidor público responsável pela intervenção. Poderia cobrar diretamente dele informações sobre o serviço.
Outra instância importante de decisão e que está à margem dos comunicadores públicos são os conselhos, compostos por diversos tipos de moradores que precisam de atenção especial no trânsito de informações. Os conselhos não substituem a ação do Município, mas passam a integrar a vida pública por meio do controle social, garantindo transparência às ações dos governos, contribuindo para a realização de políticas locais e o alcance das metas governamentais. São as chamadas inteligências coletivas que habitam a esfera pública.
Cada vez mais o papel do gestor em comunicação pública será o de empreendedor, administrador de problemas, administrador de recursos e negociador. Caberá a ele identificar os públicos (conhecidos como stakeholders), os verdadeiros agentes de influência, e atingi-los da melhor maneira possível. Com o advento da Internet, liberada para uso comercial no Brasil em 1995, a comunicação com boa parcela de formadores de opinião se dá mais rapidamente, uma vez que há crescente inclusão digital no Grande ABC, muitas vezes patrocinada pelo próprio Poder Público. O próprio Estado, através de diretrizes do governo eletrônico, reconhece a Internet como ferramenta de inclusão social e de cidadania. O incentivo à política de infoinclusão deve procurar estimular a participação popular nas ações do governo.
O futuro é do cidadão-pontocom
devido à rapidez da informática
no compartilhar informações
O futuro próximo aponta para o morador da região como um cidadão-pontocom, que terá o auxílio da informática no compartilhamento de informações públicas. Isso possibilita mais transparência às administrações e diminui a distância entre eleitores e eleitos. Caberá aos governantes combater o analfabetismo funcional, incentivar a inclusão digital e facilitar à população ainda excluída ter o conhecimento de como utilizar os equipamentos computacionais para usufruir os benefícios da informação. Estamos numa sociedade em que o homem desinformado não pode ter opinião e, consequentemente, não pode tomar decisões. Nessa esfera, o papel de políticas de comunicação e inclusão pode fazer a diferença para os moradores da região na aquisição, transferência e assimilação de conhecimento.
Transformar o morador do Grande ABC em cidadão incluído e consciente de direitos e deveres é o desafio da comunicação pública nos próximos anos. Se obtiver sucesso nessa jornada, incluirá a região no rol seleto das sociedades do conhecimento, em que emergem novos paradigmas de aprendizagem. Mas, para isso, precisa haver investimento, tanto intelectual quanto financeiro, em novos aprendizados e formas de administrar. Informação é poder e cidadão bem informado faz a diferença no século XXI.
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16/09/2008 Primeiro escalão dita ética e responsabilidade social