Entrevista Especial

Veja todas as respostas do
regionalista Fausto Cestari

DANIEL LIMA - 23/02/2024

Seguindo rigorosamente autoimposição de publicar cada nova edição de Entrevista Especial desta temporada sem acrescentar mesmo que subjetivamente qualquer juízo de valor sobre as respostas, segue o material enviado pelo dirigente empresarial e médico Fausto Cestari, que durante muitos anos atuou como vigoroso regionalista.

Fausto Cestari contava com prazo de 15 dias para enviar as respostas, mas, mesmo contabilizado nesse período um feriado prolongado, só precisou de cinco dias para cumprir o combinado.

Na edição de segunda-feira quando, acreditamos, os leitores já terão metabolizadas as afirmações de Fausto Cestari, vamos elaborar uma análise a respeito, como o fizemos após a primeira entrevista desta série, do Coronel Sardano, ex-secretário de Segurança Pública de Santo André e de volta ao cargo de vereador. Sardano é candidato à Prefeitura de Santo André. Fausto Cestari não concorre a nenhum cargo.

CAPITALSOCIAL – Considerando-se o que o senhor viveu institucionalmente na região no passado e o que observa de uns tempos para cá, qual sua avaliação sobre a atuação do Clube dos Prefeitos e da Agência de Desenvolvimento Econômico?

FAUSTO CESTARI – Como você já descreveu no enunciado da pergunta, de 1993 a 2010 vivi intensamente a Região do Grande ABC, seja como militante da sociedade civil ou participando temporariamente de instituições municipais e regionais. Um período de imenso aprendizado e, juntamente com outras lideranças, fomos capazes de idealizar, construir e até sonhar com as transformações que o Grande ABC necessitava e tinha potencial para fazê-las. Mas, lamentavelmente, temos vivido um absoluto vazio de lideranças da sociedade e principalmente dos agentes políticos, de maneira que as instituições regionais não escapam desse marasmo.

Antes de emitir uma opinião abalizada sobre o desempenho atual tanto da Agência como do Consórcio, tomei a iniciativa de visitar os sites de ambas, de pesquisar na imprensa e nas mídias sociais suas principais realizações. Frustrante!!!

Particularmente, vejo o modelo de Governança Regional através do Consórcio Intermunicipal, como sendo absolutamente adequado às características da região. Acredito que nosso grande pecado tem sido a implementação de uma gestão qualificada. Tivemos a oportunidade de conhecer e avaliar modelos internacionais de consórcios e agências e o fator comum entre as que tiveram sucesso foi privilegiar o profissionalismo na constituição e a manutenção duradoura da equipe técnica, minimizando a interferência política na condução dessas instituições.

Não nos falta estrutura, não nos faltam recursos e não nos faltam pautas relevantes para a transformação regional. O Consórcio não pode ser tratado de forma secundária em relação a qualquer Prefeitura. Tem que ser visto com a importância de quem é capaz de encontrar solução a problemas comuns dos municípios e da condução estratégica regional. Não pode ser conduzido como um fardo pelos prefeitos. Caso contrário, não há qualquer razão para manter essas instituições ativas. Acabam se justificando só para a acomodação política de aliados e alianças. O que, convenhamos, não é o interesse da sociedade.  

CAPITALSOCIAL – O senhor acredita que as relações entre capital e trabalho na região teriam sido diferentes se ao invés de representação da rede da Fiesp e do Ciesp caso a região contasse com entidades do Sistema, mas autônomas, que atuariam de acordo com o figurino econômico daquele período?

FAUSTO CESTARI – Não tenho nenhuma dúvida disso. Aliás, lutei intensamente para que os departamentos sindicais da FIESP e também dos sindicatos patronais, tivessem uma maior aproximação das Diretorias Regionais do CIESP para a construção de decisões com base nas realidades locais. Sempre considerei um absurdo a decisão tomada de forma centralizada, sem que os decisores conhecessem ou consultassem as realidades locais. Essa distorção permanece até hoje, infelizmente.

CAPITALSOCIAL – Como vai se virar a economia da região nos próximos 20 anos diante da realidade da quebra de praticamente todas as cadeias produtivas, restando apenas a automotiva e a petroquímica/química?

FAUSTO CESTARI – Vou pedir desculpas por minha bola de cristal estar sem pilhas e não ter ainda familiaridade com o ChatGPT, mas mesmo no escuro, vou aceitar a provocação.  Perdemos o protagonismo industrial que tínhamos, seja pela competente concorrência de outras cidades, mas principalmente por nossa incapacidade de reação e de nos reinventarmos. A localização física da indústria deixou de ter relevância estratégica como sempre foi. Estar perto de um grande centro de consumo era decisivo. Entretanto, com o advento das novas tecnologias de comercialização e novas soluções logísticas, outros fatores passaram a ser decisivos. Diagnosticamos o “Custo ABC “há cerca de 40 anos e pouco fizemos para minimizá-lo.  Sempre tivemos no Grande ABC bons centros de formação de mão de obra e de geração de conhecimento, mas não convertemos isso em diferencial competitivo. A ação das organizações sindicais de trabalhadores, na luta por seus direitos, introduziu e fez crescer a cultura anti-empresário na sociedade local. As políticas públicas, de forma geral, nunca tiveram a preocupação central de reter empresas. Arrecadar sempre foi o foco. Debati com Celso Daniel que a preservação da atividade industrial deveria ser considerada tão importante quanto a preservação ambiental.

Enfim, avaliar nossos erros, diagnosticar que competências ainda temos e retomar um plano estratégico qualificado, pragmático, com forte integração regional, são as possibilidades que vejo para o Grande ABC nos próximos 20 anos. Centralizei minha análise na indústria porque não vejo outro setor capaz de criar tanta riqueza. Palpites???  Olhem para o agro, para o setor da saúde, para o que importamos, para novas tecnologias e quanta oportunidade de atividade industrial e serviços pujantes podem surgir.

CAPITASOCIAL – O senhor acredita que o novo plano industrial anunciado pelo governo federal alterará o ritmo econômico da região, notadamente com os investimentos no setor automotivo?

FAUSTO CESTARI – Não acredito. É mais do mesmo. O grande incentivo ao setor automotivo foi direcionado ao Nordeste. Talvez tenhamos algum benefício efêmero, mas não suficiente para a reversão que precisamos.

CAPITALSOCIAL – Se algum amigo de verdade perguntar ao senhor sobre a segurança de investir no ramo industrial da região, qual o senhor apontaria?

FAUSTO CESTARI – Um amigo de verdade, neste momento, teria meu conselho para procurar outras regiões para o desenvolvimento de sua indústria.

CAPITALSOCIAL – Quando e qual foi o sinal que o senhor captou para ter certeza de que a região escorregava para valer no solo hostil da desindustrialização?

FAUSTO CESTARI – Fui Diretor do Departamento de Integração Regional do CIESP por vários anos e mantinha um estreito relacionamento com as 42 Diretorias Regionais do Estado. Assisti, por diversas vezes, regiões adotarem ideias, conceitos e projetos que foram formulados pela Região do ABC. O problema foi que eles os implementaram e nós não. Um bom exemplo é a Região de Sorocaba, de Jundiaí e São José dos Campos. Perdemos muito tempo nas conjecturas de evasão industrial, desindustrialização, supremacia do setor de serviços e etc..... quando acordamos, se é que acordamos, “a Inês era morta ‘’.

CAPITALSOCIAL – Se o senhor fosse instado a definir três questões essenciais a serem atacadas em prol do Desenvolvimento Econômico da região, quais seriam apontadas?

FAUSTO CESTARI – 1. Geração de conhecimento e formação de mão de obra qualificada. 2. Ambiente receptivo ao empreendedorismo, em especial ao investimento industrial. 3. Obsessão pela Inovação e pela produtividade, em qualquer segmento ou ramo de atividade. Essas medidas deveriam estar obrigatoriamente subordinadas a um Plano Estratégico Regional de médio e longo prazo. Plano concebido de forma profissional e capaz de sensibilizar e mobilizar o setor público e as forças relevantes da sociedade.

CAPITALSOCIAL – Está provado estatisticamente que o Rodoanel Mario Covas implicou em enormes prejuízos econômicos para a região. Os dados foram colhidos ao longo dos anos. O senhor acha que temos alguma saída logística?

FAUSTO CESTARI – Quando a região iniciou os debates sobre o Rodoanel, tudo parecia uma maravilha no olhar empolgado.. Questionar uma obra desse vulto e que se propunha como solução logística da Região Metropolitana, de diversas cidades do Estado e até de outros Estados da Federação, parecia um despropósito. Entretanto, alertamos sobre o fato de que precisaríamos avaliar melhor os impactos que a Região do ABC estaria sujeita, em especial os negativos. Entre os quais a possibilidade de fuga de empresas e de uma infraestrutura já limitada e não dimensionada para as novas demandas que poderiam surgir. Estaríamos sujeitos a uma supervalorização das áreas envolvidas no entorno do Rodoanel, dificultando novos investimentos e motivando o deslocamento de empresas instaladas para outras regiões. Atualmente, imóveis e terrenos outrora industriais, são destinados a grandes investimentos logísticos. Não geram nem de perto a riqueza e a qualidade dos empregos industriais. Não planejamos o que está ocorrendo e temos que nos adaptar. Uma oportunidade que me ocorre é a possibilidade de o Grande ABC ser parte da solução de acesso ao Porto de Santos e atendimento logístico à Baixada Santista.   Aliás, um dos motivos originais, defendidos para a implementação do Rodoanel.  A ser avaliado. Consórcio e Agência .... mãos à obra.

CAPITALSOCIAL – O senhor acredita que ainda é possível resgatar a economia da região a partir de um planejamento estratégico que contemple todos os municípios locais? Tem ideia de como seria, em síntese, esse formato?

FAUSTO CESTARI – As crises, sejam econômicas ou de outra categoria, têm a capacidade de aproximar interesses no sentido comum, uma vez que os objetivos individuais ficam comprometidos. Mas, por si só, não é suficiente. Requer a identificação de lideranças genuínas, confiáveis, capazes de redirecionar os esforços coletivos para objetivos que superem a situação que está sendo vivenciada. Penso que ainda não estamos nesse ponto, dado a forma como nossas lideranças políticas se comportam e frequentemente turvam a realidade de cada Município, justificado pelo objetivo de preservarem seus projetos de poder. Esse fato, associado a uma sociedade que desconhece a profundidade do problema ou simplesmente se omite, oferece pouca chance de qualquer projeto regional prosperar neste momento. Talvez ainda não tenhamos chegado ao fundo do poço. A receita pode ser simples: agentes públicos comprometidos, sociedade civil mobilizada e bem representada e meios de comunicação que acompanhem e garantam a transparência a esse processo. A grande dificuldade é reunir esses ingredientes.

CAPITALSOCIAL – Ainda sobre questões de regionalidade, se tivesse que dar uma nota média de zero a 10 desde que se iniciaram debates sobre isso, qual nota seria?

FAUSTO CESTARI – Não seria adequado, a meu ver, dar uma única nota. Tivemos um período (1995 a 2005) de formulação e mobilização de lideranças, mídia e agentes políticos, para o qual dou nota 8. A fase seguinte, de implementação, aprimoramento do projeto e preservação do ideário é que foi um desastre, na minha forma de ver. Merecendo uma nota 2, com boa vontade.

CAPITALSOCIAL – Aponte se puder uma cidade ou região do Estado de São Paulo que, por experiência própria ou não, deveria servir de exemplo para a retomada econômica da região?

FAUSTO CESTARI – Eu citaria duas regiões que merecem destaque no Estado: São José dos Campos e Sorocaba, naturalmente acompanhadas das cidades de menor porte de seu entorno. Ambas lideraram projetos que transbordaram seus limites geográficos. Projetos que sobreviveram a mandatos até sua plena concretização. Forte participação da sociedade civil. Estreita relação com o Governo Estadual. Acho que são bons exemplos. Vale ressaltar que foram supridas com boa parte do acervo de empresas do Grande ABC.

CAPITALSOCIAL – Qual sua visão sobre o poder transformador da economia da região com a chegada de inúmeros condomínios logísticos?

FAUSTO CESTARI – Apesar dos investimentos em logística estarem competindo por espaços que poderiam ser ocupados por atividade industrial, temos que tirar o melhor proveito possível dessa situação. Quais são as necessidades desses novos investimentos? Como qualificarmos as indústrias e serviços da região fazendo um bom uso destes recursos? Que novas tecnologias serão adotadas por esses centros e como poderemos atendê-los?

Quando o Projeto Rodoanel nos envolveu, não vinha sozinho. Trazia consigo a possibilidade de implementação futura do Ferroanel. Aproveitaria parte dos trechos ao longo do anel viário, com a possibilidade de integração e revitalização do sistema ferroviário da região. Criaria possibilidades reais de novas relações com o Porto de Santos, a Baixada Santista e outras regiões. Esse recurso logístico promoveria uma nova alavanca ao desenvolvimento regional. Sem nenhum demérito ao Túnel Santos/Guarujá, considero que a prioridade absoluta da Baixada Santista está em encontrar uma solução para o caos logístico que envolve as cidades de Santos e Cubatão, no entorno do Porto. Por que o Grande ABC não se apresenta como parte desta solução?

CAPITALSOCIAL – Como o senhor se sente quando toma conhecimento de que se programam eventos institucionais para debater a economia da região?

FAUSTO CESTARI – Lógico que a promoção de eventos e debates sobre a situação econômica do Grande ABC deve ser estimulada. Entretanto, precisam estar inseridos em um eixo estratégico mais amplo e não como um ato isolado. Na maioria dos casos, os resultados finais são a perda de tempo e a criação de falsas expectativas. Acabam servindo mais para justificar a continuidade da ocupação de cargos em uma instituição, mas sem nenhum compromisso com a geração de conhecimento ou a produção de ações concretas e consequentes. Precisamos urgentemente deixar de ser uma Sociedade de Eventos e passar a construir uma Sociedade de Resultados.   

CAPITALSOCIAL – Propusemos outro dia, a título de motivação, mas também de provocação, a constituição do Dia da Regionalidade, que seria 19 de dezembro, quando o Clube dos Prefeitos foi criado, em 1990. Não houve sinal algum de resposta a uma sugestão que abarcava amplo calendário motivacional em defesa da regionalidade. O senhor estaria surpreso com o silêncio?

FAUSTO CESTARI – O silêncio não me surpreende. Levar o tema da Regionalidade a sério pressupõe visão estratégica e de estadista. Participar da construção de uma solução regional requer abrir mão de pequenos projetos de poder, da atuação desprovida de vaidades, da disposição de dividir com o coletivo a construção de soluções coletivas. Não tenho visto isso como característica dominante de nossas lideranças. Portanto, o silêncio está plenamente justificado diante da sua provocação.

CAPITALSOCIAL – Se o Grande ABC fosse uma companhia estatal ou privada, ou mista, numa suposta Bolsa de Valores de Municípios Brasileiros, o senhor recomendaria a compra de ações tendo um horizonte de uma década como ponto de chegada, de acerto de contas dos resultados?

FAUSTO CESTARI – Quem lida com o mercado de ações e tem sucesso conhece muito bem um capítulo dedicado à Gestão de Risco. A diversificação do investimento está entre as premissas mais básicas. Hoje, recomendaria a compra de ações do Grande ABC em percentual conservador do capital a ser investido. Entretanto, é perfeitamente compreensível a dificuldade de reorientar economicamente a Região do Grande ABC diante de seu passado pujante e de suas particularidades. Cidades ou Regiões que não tinham atividade econômica expressiva e que hoje prosperam também vivenciarão no futuro o esgotamento de seus modelos. Por vezes, é mais fácil implantar o novo onde nada existe, do que corrigir a rota do que já está em curso.

Uma lembrança de meus estudos no primário – Grupo Escolar Prof. José de Antunes, em Santo André – mostrava o Grande ABC que detinha uma receita superior à soma de vários Estados do Nordeste brasileiro. Conquistar uma situação econômica dessa monta levava perto de um século. As mudanças ocorriam em velocidade paquidérmica, quando comparadas à atualidade. A rápida depreciação dos conhecimentos e dos recursos tecnológicos, impuseram dificuldades para acompanhar esse processo ao mundo todo. Não é um privilégio da Região.

Apesar de tudo, acredito que se formos capazes de reunir as experiências acumuladas pelos anos de prosperidade, aglutinar as capacidades intelectuais dispersas na nossa sociedade e a importante força econômica que ainda detemos, o Grande ABC poderá retomar o papel de destaque que sempre teve no País. Será necessário pensar grande, voltado para o futuro e sem esmorecimento. Tudo o que você espera de uma empresa para investir em suas ações.



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