Economia

De galpão industrial a
galpão logístico. Chore!

DANIEL LIMA - 17/01/2024

Parafraseando sem deboche (muiiito diferente disso) a global Maju Coutinho, o choro é livre. Por isso choro livremente. Quase copiosamente. Doloridamente. Você também deveria chorar. Foi dada a largada mais que simbólica a uma nova etapa de esvaziamento econômico da região. A confirmação de que a imensa área que a Ford ocupou em São Bernardo até que, cansada de guerra, decidiu picar a mula, vai virar mesmo condomínio logístico.  

Quando você ler qualquer coisa que se refira a condomínio logístico na região, não esqueça da primeira lição de competência analítica: estamos ferrados e mal pagos. Quem propagandeia diferentemente disso é ignorante ou farsante.  

Temos com a Ford, portanto, o pontapé de largada mais visível do processo de migração de galpão industrial para galpão logístico, uma atividade de serviços.   

MUITA DIFERENÇA  

A diferença entre valores agregados em forma de riquezas cumulativas envolvendo a indústria de transformação e o setor de serviços de logística é algo preocupante a separar as duas atividades. A distância salarial, em média, aproxima-se de 50%. E olha que salário é apenas um dos componentes do rebaixamento de riqueza. A rede de fornecedores diretos na indústria de transformação é densa e geralmente próxima. Em logística, o produto vem pronto e acabado, feito em todos os cantos.  

Me inspirei na manchetíssima que você tem aí em cima ao ler a manchete de página interna do jornal Valor Econômico de hoje: “Antiga fábrica da Ford do ABC vai virar galpão”.  

O que era certo no passado, pós-desocupação da área, agora é mais certo ainda. A visibilidade da notícia e os desdobramentos que virão entre os especialistas colocarão a logística muito acima da produção na região.  

A minha ficha de que estamos definitivamente dando a largada simbólica numa corrida contra o relógio de novas deserções industriais que começaram há muito tempo está numa frase da mesma reportagem do Valor Econômico. 

UM TRECHO INQUIETANTE 

Chamo a atenção dos leitores para o trecho da reportagem do Valor Econômico que me chamou muita atenção por carregar não sei se propositalmente uma ironia do autor. Acredito que não. O que ele tem conotação exclusivamente empresarial. Leiam: 

 Os dois especialistas em logística destacam que o terreno (da Ford) é raro, por estar em uma região urbana e adensada. Em São Bernardo há também muitas áreas de proteção ambiental, o que restringe ainda mais o espaço para exploração logística, e competição como empreendimentos residenciais: “Outro terreno desse porte, só se outra montadora sair de lá”, afirma Santos, segundo o Valor Econômico.  

MAIS VALOR ECONÔMICO 

Não custa reproduzir alguns trechos da reportagem do Valor Econômico para, em seguida, fazer algumas considerações. 

 A área da antiga fábrica da Ford de São Bernardo do Campo (SP) deve ser vendida para a companhia norte-americana Prologis p0r R$ 850 milhões, informaram fontes a par da negociação. A expectativa é que seja construído um condomínio logístico com mais de 400 mil metros quadrados de galpões logísticos em desenvolvimento, em três ativos, e outros 300 mil metros quadrados ainda em projeto, conta o analista de inteligência de mercado da consultoria Colliers, Leandro Braga. “A localização é perfeita é você pode ter vários modelos de ocupação”, afirma Simone Santos, sócia-diretora da consultoria Binswanger SDS. Como fica dentro de um raio de 15 quilômetros do Centro de São Paulo, o espaço pode ser usado para logística de “última milha”, com entregas rápidas, ou como entreposto para entregas mais distantes. “É uma região premium para logística, está na “boca do gol” para São Paulo, mas com um pé no porto de Santos, diz Braga. 

COMERCIAL, POR FAVOR  

Vou interromper a reportagem do Valor Econômico para um comercial de CapitalSocial.   

Na edição de 12 de maio do ano passado, a propósito de demissões na Bridgestone, em Santo André, participei como penetra de uma entrevista do Diário do Grande ABC com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Evandro Banzato.  Leiam o trecho a que me refiro sobre galpões logísticos:  

DIÁRIO DO GRANDE ABC -- O que o sr. está colocando é que Santo André vai ser uma referência na fabricação de pneu agro?  

EVANDRO BANZATO -- É o que está se desenhando. A Prometeon e a Bridgestone são dois grandes players mundiais, um chinês e um japonês. E aí a gente olha para nossa infraestrutura e logística como um todo. O empresário sabe que o maior porto seco do Estado de São Paulo está em Santo André, temos proximidade com o porto de Santos, com o aeroporto de Guarulhos, mão de obra qualificada. E também é preciso destacar que a maior infraestrutura pública e privada de saúde, com exceção da Capital, está em Santo André. Temos 12 hospitais privados e mais uma grande rede pública. Isso também faz parte da política de desenvolvimento econômico, porque os colaboradores da empresa terão uma grande rede de saúde, parques públicos, transporte de qualidade, mobilidade e bons investimentos no mercado imobiliário. Nossa política é de melhorar o ambiente de negócios, fazer com que nossas empresas sejam mais competitivas e fomentar a cultura de inovação, qualificação e empreendedorismo. Alguns resultados a gente colhe de imediato e outros acontecem ao longo tempo, a médio e longo prazos.   

CAPITALSOCIAL – Também virou farrapo de argumentação colocar Santo André competitiva na área de logística, de acessibilidade. O Porto de Santos e os aeroportos estão cada vez mais distantes sob uma ótica mais moderna de competitividade porque a parafernália de impedimentos logísticos causa transtornos à cadeia de produção industrial. Não à toa Santo André é o endereço mais desindustrializado dos últimos 40 anos no Estado de São Paulo. O caos logístico de Santo André, simbolizado por uma Avenida dos Estados completamente obsoleta e uma geografia sem grandes avenidas e inserções internas e externas, é o maior desafio do século e muito provavelmente não será superado. A redução cada vez mais preocupante do estoque de trabalhadores industriais com carteira assinada e um setor de serviços de baixíssima remuneração colocam há muito tempo Santo André numa enrascada. Não serão galpões logísticos de última milhagem, como é o caso de Santo André, que possibilitarão transformações. Há endereços mais nobres na Grande São Paulo que absorvem esses empreendimentos de tamanhos e funções mais próximas ao atendimento industrial.  

VOLTANDO AO HOJE  

Como os leitores podem observar, “última milha” não é novidade apresentada por este jornalista. Aliás, antes dessa intervenção, constato outras três, a primeira de 2022. Mas vamos reproduzir mais alguns trechos da reportagem de hoje do Valor Econômico: 

 O espaço de mais de um milhão de metros quadrados deixou de ser usado pela montadora em outubro de 2019, quando esta anunciou sua saída do país, e foi vendido no ano seguinte, por R$ 565 milhões – a construtora também arrematou outra área da Ford, em Taubaté (SP), que está locada para uma fábrica do grupo CSN. Posteriormente, o ativo em São Bernardo foi dividido em dois fundos de investimentos. (...) Segundo a Colliers, a região do ABC tem uma média de preços de locação para áreas de logística de R$ 28 por metro quadrado. Em São Bernardo, o preço sobe para R$ 32, enquanto a média nacional fechou 2023 em R$ 24.90. (...). A vacância na região do ABC está em apenas 5%, de acordo com a Colliers, e há falta de ativos de alto padrão. Por lá, ainda predominam galpões pequenos e antigos. A vacância no Estado de São Paulo era de 11% no quarto trimestre, enquanto a média nacional ficou em 10%.  

GALPÃO COMPETITIVO  

Observaram os leitores que a região é uma área interessantíssima para galpões logísticos? Nenhum surpresa. A atratividade é proporcional à negatividade sistêmica que a região conta na prateleira de inconformidades para a indústria de transformação. O Custo ABC é elevadíssimo, por razões macroeconômicas e próprias de conquistas trabalhistas e posteriores custos relacionais também trabalhistas. Não existe milagre que faça com que a região, diante do fluxo de investidores em galpões logísticos, encontre o caminho da reindustrialização. Diferentemente disso: continuaremos a perder de forma explicita (com fechamento de empresas) ou implícita (com rebaixamento continuado do quadro de funcionários) a corrida por investimento no setor que mais bem paga salários e mais agrega valor ao produto final.  

MAIS UMA FACADA 

Enquanto isso, as instituições da região estão observando tudo com desdém ou correm atrás de pautas que não vão alterar o ritmo da degringolada. Apertem os cintos porque o jogo é pesado. A Ford está entre as pioneiras de industrialização da região. E se torna marca inicial de uma nova configuração econômica. Para Cajamar, Extrema e outros municípios que se transformaram em grandes galpões logísticos, mas não contavam com o setor industrial, a atividade é bem vida. Para os quase três milhões de moradores da região, é mais uma facada que vulnerabiliza um organismo já debilitado. Dependemos de 24% do PIB Industrial dentro do PIB Geral da região. A tendência é de continuar perdendo. Até chegar a menos da metade, que é a média no Brasil.  

Galpão logístico é um nicho de mercado muito bom para quem é do ramo. E, principalmente, aos bem- relacionados no Poder Público. Eles estão sempre prontos a negócios espetaculares, pouco se lixando para a decadência econômica regional. Não há sociedade que resista à velocidade de crescimento do PIB quase 80% abaixo da média nacional. Só ganham mesmo os bandidos sociais dos dois lados de balcões fedorentos -- de quem faz negócios como empresário gatuno e de quem facilita negócios à margem da lei e da ética.  



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