-- Deixe falar um pouquinho. Não é porque sou a modesta Ribeirão Pires que tenho só de ouvir. Nesse papo de criminalidade ninguém escapa da fatura de responsabilidade. Em menor ou maior grau de incidência sobre o que chamaria de PIB municipal, a indústria do crime, que tem variadas atividades, é o grande nó górdio que temos de desatar. Sinto-me impotente também. Estou numa luta danada para incentivar a indústria do turismo nas minhas áreas e o que se divulga é que virei esconderijo de quadrilhas de sequestradores. É quase impossível vender entretenimento frente ao contraponto do embrutecimento do homem. Sou quase virgem na economia do lazer, mas o que mais fazem é me estuprarem no noticiário policial.
-- Você não está sozinha Ribeirão Pires. Ou se esqueceu de que estou do seu lado nesse infortúnio?
-- É claro que não me esqueci, Rio Grande da Serra. Aliás, até agradeço que você exista e que se tenha emancipado. Eu seria a única referência mais forte de endereço desse tipo de criminalidade se você não tivesse virado Município e seus crimes ficassem diluídos como território de Santo André.
-- Bem, em matéria de pauta jornalística policial, estou quebrando o galho dos meus vizinhos mais próximos ou não. De vez em quando os tiros atingem até quem foi eleito pelo povo para dirigir a Prefeitura.
-- Está bem, Rio Grande da Serra. Se a gente continuar a falar em criminalidade, como deixarei de comentar de novo o sequestro e a morte do meu prefeito? O Brasil inteiro se comoveu com aquela brutalidade. E não era para menos. Estou seriamente preocupado com a escalada da violência. Imaginem que eu era um Município discretíssimo nessa área até os anos 70, 80, mas de repente, em consequência do esvaziamento econômico, principalmente, lá estou metido em índices assustadores. No começo dos anos 80 meu povo sofria sete assassinatos para cada 100 mil moradores. Na virada do século, no começo deste novo milênio, saltou para mais de 50. Vocês acham que dá para aguentar?
-- Reconheço, Santo André, que seu drama é comovente e que sou privilegiado.
-- Em tudo você é privilegiado, caro São Caetano.
-- Quase tudo, quase tudo. Esse negócio de criminalidade não tem vez no meu pedaço. O máximo que acontece comigo são os roubos de veículos, mas ultimamente andei dando uma dura no policiamento. Ameacei cortar o adicional de salário que eles recebiam da Prefeitura e as coisas devem engrenar. Meu morador não pode perder jamais a qualidade de vida que propagamos para o Brasil inteiro. Que a vizinhança de São Paulo, de Santo André e de São Bernardo me desculpe, mas tenho de cuidar do meu terreiro, porque meu morador cobra de mim por segurança. Não vai ao bispo.
-- Quando digo que você, São Caetano, é exclusivista você ainda reclama.
-- Não é exclusivismo, São Bernardo, não é exclusivismo. É instinto de sobrevivência. Mas para vocês não me acusarem mais de que só jogo sozinho, que sou o dono da bola, do apito, do gramado e da arquibancada, decidi dar uma mãozinha para a tentativa de integração regional e escalei o meu prefeito para assumir a presidência do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Espero que ele colabore para acabar com o Complexo de Gata Borralheira de que tanto falam.
-- Bem, já que estamos falando disso, por que não dar ouvidos ao jornalista que inventou o Complexo de Gata Borralheira e fazer na prática o que ele sugeriu, depois da morte de Celso Daniel? Que acha, São Paulo, você que é especialista em grandes eventos?
-- Acho que Santo André tem razão. Fiquei sabendo mais tarde, porque tudo que é relativo a vocês sempre chega mais tarde para mim. Acho ótima a idéia de realizar o Fórum Social Pela Paz todo ano no Grande ABC, para marcar o horror que significou a morte do prefeito Celso Daniel e também de 40 mil brasileiros que sofrem homicídios a cada ano. É uma forma revolucionária de colocar o mundo inteiro de plantão durante pelo menos uma semana para discutir profundamente as razões do crescimento da violência.
-- Eu só poderia esperar essa fidalguia de São Paulo. O prefeito do meu território foi barbaramente assassinado e isso tem de representar um marco. O Fórum Social Pela Paz é uma idéia excelente. É uma complementação temática do Fórum Econômico Mundial, realizado todos os anos em Davos, na Suíça, e do Fórum Social Mundial, agora também realizado todo ano, em Porto Alegre.
-- Acho que a mobilização social que caracterizou a morte de Celso Daniel fez o Grande ABC resgatar a importância do coletivismo que os metalúrgicos consagraram no final dos anos 70 e início dos anos 80.
-- Parabéns a Santo André por ter se referido a mim e ao meu acervo de conquistas trabalhistas. Também acho que devemos transformar a morte de Celso Daniel em símbolo de luta pela paz internacional. Nada mais justo, porque Celso Daniel era homem de paz, de diálogo, democrata. Temos de produzir uma semana de seminários, palestras e debates em todos os municípios do Grande ABC. Vamos colocar nossa região na pauta internacional. Todos hão de falar de nós de forma positiva.
-- Pelo visto, está aprovado.
-- Não tenha dúvida, querida São Paulo. Temos de cobrir o mundo de branco na semana de realização do Fórum Social Pela Paz. Tenho certeza que meu povo, o povo mais rico do Grande ABC mas que sabe que é uma ilha de prosperidade no meio de tanta exclusão social, saberá participar dessa jornada.
-- Se São Caetano, querida São Paulo, que não tem com o que se preocupar, está levantando a bandeira da paz, quem sou eu, Mauá, complicada como poucas cidades, para ser contra? Pelo contrário! Tudo que for feito para correlacionar Celso Daniel e civilidade tem meu apoio.
-- Aonde Mauá vai, Ribeirão Pires vai atrás, querida São Paulo.
-- E eu sou louco de ir contra? Sei muito bem o que tenho aqui na extremidade oposta de São Paulo. Contem com Rio Grande da Serra.
-- O que vocês todos estão olhando para mim? Será que estão duvidando do meu apoio? Não são vocês mesmos que me estigmatizaram? Como não vou querer paz? Contem com Diadema em todos os trabalhos.
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16/04/2002 UM QUEBRA-CABEÇAS