Os serviços de televisão por assinatura no Brasil devem ter, até o ano que vem, uma explosão de oferta, o que poderá torná-la tão presente na vida do cidadão como um aparelho telefônico ou um videocassete. A previsão é do Ministério das Comunicações, que vai colocar em licitação um total de 1,6 mil concessões de TV paga no Brasil nos próximos meses, espalhadas por 450 municípios.
Existem atualmente no País cerca de 2,1 milhões de assinantes, mas o governo quer chegar, no fim do ano que vem, aos 5,7 milhões. A meta é atingir, no ano de 2003, 16,5 milhões de usuários.
A expectativa dos técnicos do ministério é que o interesse por essas outorgas seja muito grande, chegando a 10 ou 12 interessados por localidade. Só para São Paulo, o preço de concessão de TV a cabo é de R$ 15 milhões. É a primeira vez que vai haver no País licitações para esse tipo de serviço. O investimento privado previsto para o setor deve chegar a R$ 5 bilhões em cinco anos.
O grande número de assinantes de TV paga deverá atrair novos fornecedores de programas. Atualmente, o setor é dividido por duas grandes empresas, ligadas aos grupos Globo e Abril. O ministro Sérgio Motta chegou a anunciar que as concessões poderão render R$ 1 bilhão para os cofres públicos.
Esforços não faltaram para que o sistema de TV a cabo no País deslanchasse nos últimos anos. Planos mais baratos foram lançados e propagandas maciças invadiram as ruas. As empresas falam em reação em 2000, mas os resultados não animam ainda. A expectativa de uma reviravolta ficou para o próximo ano.
Pesquisa do Ibope Mídia divulgada nesta semana mostra que o índice de penetração nos lares brasileiros continuou patinando na taxa dos 10% no início de 2000. Isso quer dizer que, de cada 10 lares no Brasil, apenas um tem o serviço. Mesmo nos bairros em que já existe infra-estrutura para instalação imediata, os moradores pensam duas vezes antes de aceitar pagar pelo sistema.
De cada 10 pessoas que já têm cabo instalado na rua, oito não têm TV por assinatura em casa, informa a pesquisa.
Em 2000, o número de assinantes também não deve crescer em relação a 1999: a ABTA (Associação Brasileira de Telecomunicação por Assinatura) estima que a base de usuários fique em três milhões no final do ano, o mesmo número do ano passado. A ABTA estima um mercado com cinco milhões de usuários só no próximo ano.
O interesse dos consumidores pelo acesso à Internet por meio da banda larga — que permite ligação mais veloz com a rede — também pode impulsionar o serviço. Esse tipo de conexão exige que a pessoa tenha a TV por assinatura em casa, pois a rapidez no acesso depende da existência do cabo.
O presidente do BNDES, Eleazar de Carvalho Filho, disse ontem, ao se referir à Globo Cabo, que “a situação da empresa não era sólida e, sem uma capitalização, corríamos o risco de ela ser liquidada, assim como nossos ativos dentro dela”.
Ontem, a Globo Cabo, maior empresa de TV por assinatura do País, anunciou que fará uma operação para aumentar em R$ 1 bilhão seu capital.
A Globopar (Globo S.A) informou ontem que deixará de ser acionista controladora da empresa de TV paga via satélite Sky (NetSat Serviços) no Brasil. A família Marinho tem hoje 54% do negócio e sua participação cairá para 49,9%. O controle ficará com os acionistas norte-americanos News Corporation (dona atualmente de 36% das ações) e Liberty Media, que tem 10% do capital.
Em comunicado oficial, a Globo disse que sua participação na Sky pode diminuir mais, na medida em que a News Corporation, do magnata mundial das comunicações, Rupert Murdoch, fizer novos aportes de recursos. Nos anos 90, as Organizações Globo concentraram investimentos em redes de distribuição de TV por assinatura e a principal delas foi a Globo Cabo (atual Net Serviços), que acumula cerca de R$ 1,6 bilhão de dívidas. A família Marinho também está reduzindo sua participação na Net Serviços.
A empresa fechou o primeiro trimestre com 710 mil assinantes. Sua principal concorrente, a DirecTV, não informa o número de clientes no Brasil. Segundo a revista PayTV, especializada em televisão por assinatura, a DirecTV tem perto de 435 mil assinantes, enquanto a terceira operadora, a nacional TecSat, teria 60 mil.
A Sky tem apresentado prejuízos sistemáticos. No final de 2000, já acumulava US$ 653,15 milhões em prejuízos.
Entre a extravagante projeção do Ministério das Comunicações, de que o Brasil teria 16,5 milhões de usuários de TV por assinatura em 2003, e o escancaramento da situação econômica da Globo Cabo em 2002 há um fio condutor de exageros na prospecção do potencial brasileiro que vai muito além das atividades de serviços.
Com pouco mais de 3,2 milhões de assinantes, segundo as últimas estatísticas, não é difícil imaginar os efeitos colaterais que atingiram em cheio os planos de rentabilidade das empresas que desprezaram a realidade. Contrapõe ao gigantismo de 170 milhões de habitantes a insustentável desigualdade de renda, que coloca 50 milhões na miséria, segundo dados da Organização Mundial da Saúde.
Embora se pretenda minimizar as origens da persistente flacidez consumidora do País, atribuindo-se valores diversos, é insofismável que a compreensão desse típico caso em que a fada madrinha se transforma em bruxa passa pela virtualidade enviesada de planilhas triunfalistas de marqueteiros de plantão.
Alimentados por consultorias nacionais e internacionais que olham o horizonte de um País ciclicamente ebulitivo e endemicamente desigual como se vislumbrassem o Primeiro Mundo sem grandes saltos socioeconômicos, os investidores embaralham-se em arapucas rebuscadas.
Sim, porque é mania nacional dourar a pílula das potencialidades de um País a ser construído. Há correlações geralmente estúpidas no painel de instrumentos dos formuladores de projetos miraculosos de adensamento de produtos e serviços que já chegaram à exaustão nos Estados Unidos e Europa, principalmente. Equações que constatam fundas defasagens per capita de consumidores e usuários em relação ao que se registra em outras fronteiras são automaticamente transpostas como elementos de sucesso antecipado. Como invariavelmente o Brasil per capita está anos-luz atrás do Primeiro Mundo, inocula-se nos investidores a convicção de que basta jogar a rede de recursos para recolher do mar o peixe fácil da rentabilidade.
É claro que em todas essas estripulias, que ganham nomenclaturas pomposas e estelares de fina flor do gerenciamento corporativo, omite-se o fato de que há dois Brasis em questão — o Brasil pequeno e pujante dos incluídos e o Brasil vasto e vexatório dos excluídos.
A dificuldade de dissociar a riqueza cosmopolita de poucos da pobreza africana de muitos coloca os supostos estrategistas corporativos em situação análoga à da incauta moçoila de fitas de faroeste que, inadvertidamente, lança-se no meio da rua poeirenta em que mocinhos e bandidos testam a destreza da pontaria de revólveres cujas balas jamais se esgotam.
A diferença é que nem as balas do tiroteio da competitividade são de festim nem há mocinhos para salvar projetos malquebrados. Pelo contrário: quando a onça do comprometimento dos planos começa a beber a água dos recursos disponíveis, estabelece-se correria coletiva de desertores. Os que resolvem continuar não se furtam de apontar mutuamente dedos em riste.
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01/04/2003 Quando a guerra fiscal está à sombra de tudo