Política

Eleições municipais não
serão mais as mesmas

DANIEL LIMA - 17/04/2024

Não foi à toa que o prefeito Orlando Morando reagiu de imediato nas redes sociais ao condenar o presidente Lula da Silva pelo veto às saidinhas. Não foi à toa também que o prefeito Paulinho Serra babou ovo no encontro com o governador Tarcísio de Freitas em Santo André, durante a abertura da Feira da Fraternidade. Não foram à toa tantas outras coisas que mexem com a política municipal e regional.

Demorou um bocado, mas os políticos locais parecem ter entendido que as eleições municipais não são tão municipais assim como o foram até recentemente. A resposta a tudo isso tem nome e sobrenome sociológico: redes sociais. Acabou o monopólio da imprensa de papel onde não há mídia eletrônica de massa. É o caso do Grande ABC. Quem tinha certo controle dos cordéis políticos num gabinete de mídia hoje vê navios.

Vou traduzir de imediato o que pretendo dizer, porque não é de hoje que mais que insinuar, sugiro que a banda que tocava apenas acordes paroquiais nas disputas municipais agora é uma orquestra eclética que ensaia concertos mais bem elaborados, porque desafiadores.

A estadualização e a federalização da disputa pelo voto para prefeito em qualquer Município de porte, principalmente nas regiões metropolitanas, são as grandes operações de mudanças de ritmo e percurso. Prefeito bem avaliado que não pode concorrer à reeleição ou mesmo que possa disputar de novo não pode se descuidar das redes sociais, dominadas por escaramuças estaduais e principalmente nacionais, entre lulistas e bolsonaristas. O ambiente estadual e nacional na audiência e participação nas redes sociais da região é muito mais envolvente que o municipal e o regional.

O Brasil está dividido e em conflitos permanentes. Isso é ótimo. Duro mesmo foi suportar falsas encrencas entre tucanos e petistas que, poucos sabem, encontraram o caminho das pedras da conciliação disfarçada de briga após o assassinato de Celso Daniel. Já contei essa história e não estou disposta à repetição.

Resumidamente: as cúpulas entenderam que era melhor a aproximação que a retaliação, depois de transformarem um crime comum em crime político e de passarem pano à corrupção inaugural do PT, ensaio do Mensalão e do Petrolão.

ESQUEÇAM, ESQUEÇAM

Mas, por favor, esqueçam esse trecho do texto. Já cansei de escrever detalhadamente sobre o Caso Celso Daniel. Do qual, modestamente, sou especialista. Sem vieses ideológicos e partidários, que transbordaram na Velha Imprensa regiamente paga para ser oposição seletiva.

Certo mesmo é que Orlando Morando sempre bem instrumentalizado por pesquisas não deu um tiro no escuro e tampouco nos próprios pés. Ao sair imediatamente com a metralhadora empunhada e a alça de mira em Lula da Silva, Orlando Morando sabia que a maioria dos eleitores estaria marchando a seu lado.

Saidinhas de presos (e não emito agora meu juízo de valor sobre isso dada a complexidade do que parece simples) são um dos poucos temas que ultrapassam as linhas delimitadoras rígidas entre conservadores e progressistas.

Confesso que não aprecio a definição da esquerda em geral como progressista, mas o faço no parágrafo anterior apenas para entendimento geral. Dia desses vou dizer com todas as letras porque nossos esquerdistas não são progressistas como imaginam. Tampouco os bolsonaristas são a explicitação da direita homogênea.

GRITO E LAMBE-LAMBE

Da mesma forma que Orlando Morando deu o grito que precisava em termos regionais para acabar com a dissimulação geral de que eleição municipal se resolve na própria municipalidade, o que não passa de retrato desgastado do passado sem redes sociais, o prefeito Paulinho Serra e a primeira-dama e deputada estadual Carolina Serra só faltaram se jogar no colo do governador Tarcísio de Freitas. E outros igualmente o fizeram. Menos o vice-prefeito Luiz Zacarias, barrado de aproximação depois de hostilizado pelo prefeito agora adversário político.

Escrevo há tanto tempo que não há como negar os vasos comunicantes entre eleições municipais e o ambiente político estadual e federal. Por isso, cultivava a esperança de que os políticos que se mantinham na moita iriam entregar a rapadura.

Não vejo nenhum gesto de oportunismo de Orlando Morando ao bater forte no presidente da República, porque desde sempre eles jamais se deram.

TUCANISMO OBSCENO

Orlando Morando jamais foi um tucano na essência obscena e dissimulada do  tucanismo. Quem não sabe o que é essência do tucanismo, noves fora Orlando Morando e também, entre poucos outros, João Doria?

Não que Orlando Morando e João Doria sejam ou tenham sido semelhantes, mas nesse caso são próximos. A diferença é que João Doria ainda recentemente se entregou aos braços de Lula da Silva, numa réplica igualmente patética de Geraldo Alckmin, enquanto Orlando Morando mantém a distância regulamentar entre um conservador e um esquerdista e partidariamente ainda tenta consertar os danos de uma hecatombe praticamente consumada.

Fico feliz ao ver ainda outro dia, lendo a pesquisa do Diário do Grande ABC, realizada pelo Instituto Paraná, a inclusão de questionamento que pretende desvendar alguma coisa do que chamaria de peso relativo do ambiente estadual e nacional como influenciador do voto municipalista.

Não imaginava que tão cedo alguma empresa de pesquisa levasse isso a campo, porque as empresas de pesquisa são quase insensíveis às transformações que as redes sociais impõem. Demoram para sair da morosidade restauradora exigida pela atmosfera em convulsão nestes tempos de provocações.

De qualquer forma, a reportagem do Diário do Grande ABC não foi suficientemente profunda, por comedimento do jornalista ou ausência de matéria-prima densa, para perscrutar as respostas dessa dupla invasão ambiental. Ainda acho que falta muita coisa para se encontrarem respostas.

Entendo que o assunto é tão relevante e tão decididamente influente à definição do voto municipal que não exageraria em sugerir que os institutos de pesquisa façam abordagem mais detalhada junto aos entrevistados com perguntas que procurem cercar o touro da subjetividade, colocando-o o mais próximo possível de conclusões impermeáveis a aventureirismo ou mercantilismo.  

Sei que sei que Tarcísio de Freitas, Jair Bolsonaro e Lula da Silva, principalmente, vão estar em grande escala em cada decisão de voto para prefeito na região. Poderão ser mais decisivos em localidades onde corridas mais acirradas exigirem o que chamaria de composição geral rumo ao desempate ou ao desatar de dúvidas cruéis.

ZACARIAS E O GOVERNADOR

Vamos dar um exemplo do que pode ocorrer em Santo André com o voto estadualizado? Se Luiz Zacarias contar com o apoio explícito de Tarcísio de Freitas, já que a administração de Paulinho Serra sempre flertou com os petistas e, mais que isso, hostilizou o ex-presidente Jair Bolsonaro, haveria dúvida de que o ainda vice-prefeito poderia ter impulso extraordinário?

Já imaginou se a turma do Zacarias vai às redes sociais, nas horas que antecederem a disputa municipal, e massificar, entre outras imagens, o desabafo do prefeito Paulinho Serra diretamente contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Diante de professores que o vaiaram ainda recentemente num evento grandioso, e ao procurar minimizar os danos políticos, Paulinho Serra acusou Jair Bolsonaro de irresponsável na trajetória de combate ao Coronavírus.

Paulinho Serra só esqueceu de dizer que políticas adotadas em Santo André foram pouco satisfatórias, com o índice de mortes por 100 mil habitantes 30% acima da média nacional e entre os piores  municípios demograficamente semelhantes. Mais que isso: como presidente do Clube dos Prefeitos, foi incapaz de planejar e coordenar ações regionais, como se o vírus fosse municipalista.

Acredita-se que a gravação em áudio está entre as peças consideradas preciosas do arsenal da turma do Zacarias para minar o prestígio de Paulinho Serra no governo do Estado.

A Internet não perdoa mesmo, principalmente quando envolve políticos que passam o tempo todo vaselinando e, de repente, apertados, soltam a franga de um enunciado politicamente carregado de verdades no sentido mais abrangente, mas que se perde ao não enxergar os próprios equívocos, além, claro, do oportunismo autofágico.



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