Um dos legados mais preciosos e potencialmente transformadores de Celso Daniel está sucateado e se tornou inspiração a uma farsa futurística do atual prefeito, Paulinho Serra. O programa Santo André Cidade Futuro, aprovado em dezembro de 2001, portanto há 22 anos, e que projetava Santo André do Ano 2020, já virou passado mais que cronológico. Foi sumariamente desprezado pelos quatro prefeitos que sucederam Celso Daniel, morto em janeiro de 2002.
Esquecer esse que é um dos legados inspiradores de Celso Daniel é flertar com o atraso, quando não com a quebra da dinâmica socioeconômica. E foi exatamente o que aconteceu com Santo André.
No ranking do PIB per capita mais atualizado do Estado de São Paulo, Santo André ocupa a 189ª posição. Uma vergonha para o antigo Viveiro Industrial que virou Viveiro Assistencial. Repetir à exaustão esse contraste não é falta de imaginação – é um grito de revolta que deve ser permanente. Pena que poucos têm coragem para tanto.
CIDADE FUTURO
Santo André está entregue às baratas em políticas públicas, a maioria direcionada a grupelhos que sequestraram o Paço Municipal. O significado dessa constatação é que não existe capital social em Santo André. Temos um imperialismo improdutivo.
Há uma multiplicidade de pontos que poderiam ser abordados para mostrar a distância que separa a grandeza de gestor de Celso Daniel e a mesmice dos demais prefeitos que Santo André elegeu neste século. É disso que trataremos sem compromisso com calendário previamente definido. Vamos esgotar a preciosidade que temos em mãos.
Encontrei absolutamente por acaso a relíquia de “Santo André Cidade Futuro”, um documento em forma de revista de 34 páginas. Estava num canto do acervo em minha residência. Resistiu a uma faxina que fiz recentemente. Uma senhora faxina. Ainda bem que não fui abatido por um descuido de descarte imperdoável. Estava lá, escondidinho, num canto do sótão, empoeirado mas praticamente a salvo de deterioração física.
NADA DE LUXO
Os leitores de CapitalSocial que estão nas minhas listas de transmissão têm a oportunidade de visualizar a revista-documento. É um material despojado. Não deve ter custado quase nada aos cofres públicos. E deve ser visto como um farol a iluminar um futuro que se constatou obscuro.
Entre amplos pontos que separam Santo André de Celso Daniel da Santo André dos sucessores, minha prioridade inicial é o Eixo de Desenvolvimento Econômico, que resultou do planejamento, preparação, execução e conclusão da política aplicada pela gestão de Celso Daniel com respaldo popular, inclusive de forças econômicas.
Portanto, sem manipulação alguma, como se vê na Santo André 500 ANOS, uma farsa de Paulinho Serra preparada em forma de rascunho mal acabado da herança de Celso Daniel. Antes admirador de Celso Daniel, Paulinho Serra raramente pronuncia o nome daquele ao qual deveria prestar reverência memorial toda vez que chegar ao Paço Municipal.
Os incautos e os batedores de carteira ética que aparecem nas redes sociais e também em veículos de informação alinhados a Paulinho Serra aplaudem o atual prefeito porque não têm ou perderam a referência daquele que foi o Pelé da Regionalidade e que, mesmo com equívocos, entregou a Santo André uma abrangente luminosidade rumo ao futuro que chegou em forma de decepção.
50 PROPOSTAS
Um dos 50 cenários desenhados na gestão de Celso Daniel na área de Desenvolvimento Econômico marca a distância entre o que imaginava e o que preparava para dar a Santo André um respaldo de recuperação e ao que o atual prefeito Paulinho Serra se tem esmerado.
Enquanto o prefeito Paulinho Serra se especializou num marketing triunfalista repetitivo com a conquista de prêmios diversos, muitos dos quais sem qualquer respaldo de competitividade para valer, quando não de puro oportunismo, Celso Daniel estava preocupado em fazer da administração de Santo André uma eficiente máquina motivacional de premiação destinada aos empreendedores locais.
Enquanto Paulinho Serra cantarola vantagens de conquistas ou mesmo de posições secundárias que supostamente demarcariam um novo modelo de gestão econômica de Santo André, sempre com o suporte da mídia chapa-branca, Celso Daniel ocupava-se em dar suporte ao empreendedorismo privado.
APOIO A EMPREENDEDORES
Um dos enunciados de Santo André Cidade Futuro de Celso Daniel trata de “criar prêmio para empresas que se destacarem em: a) geração de empregos (incremento); b) aquisição local de matéria-prima, equipamentos e serviços; c) serviço social; d) tempo de permanência no Município.
Celso Daniel jamais escondeu deste jornalista o quanto o agradava a realização anual do Prêmio Desempenho, que contemplava empresas privadas, gestões públicas, entidades sociais e também individualidades. O prêmio que pretendia incrementar para fortalecer os laços com o empreendedorismo privado foi consequência natural disso.
Mais que isso: Celso Daniel tinha a humildade de reconhecer valores em terceiros. Tanto que o Clube dos Prefeitos, lançado alguns meses após a primeira edição de LivreMercado, não dava o devido peso às atividades econômicas. A revista de papel que originou este CapitalSocial colocou o Desenvolvimento Econômico como pauta regional indispensável naquela entidade. Muito aquém do vigor necessário após a morte de Celso Daniel.
PRIMEIRO MANDATO
É claro que a programação do prêmio proposto em Santo André Cidade Futuro teria um valor conceitual inestimável para quem, como Celso Daniel, representava o Partido dos Trabalhadores. Havia resistência interna, entre os petistas, de olhar os negócios privados como relevantes em políticas públicas. Celso Daniel jamais se alinhou aos esquerdistas mais empedernidos. Tanto que seu primeiro secretário de Desenvolvimento Econômico, pasta que criou numa Santo André até então soberba, foi um ex-executivo da Rhodia, Nelson Tadeu Pereira.
Foi por conta disso, e também da inexperiência do primeiro mandato, entre 1989 e 1992, que Celso Daniel então com 38 anos teve atuação medíocre. Ao voltar ao Paço Municipal em 1997, mais maduro, Celso Daniel iniciou reviravolta na biografia de gestor público. Tornou-se insuperável em termos de visão de futuro.
O contexto de desindustrialização já inegável exigia uma liderança mais que imediatista. Celso Daniel criou todo o arcabouço institucional (Clube dos Prefeitos, Agência de Desenvolvimento Econômico e Câmara Regional) que, como seu projeto de Cidade Futuro, murchou ao longo de temporadas.
PONTOS DE DESTAQUE
Há vários outros pontos que merecem destaque no Eixo de Desenvolvimento Econômico de Santo André Cidade Futuro. Vejam alguns:
Fomentar a cooperação entre as empresas buscando ampliar a competitividade.
Apoiar empresas em ações voltadas à expansão das exportações.
Criar ações objetivando o preparado do jovem para o primeiro emprego.
Instalar empresas de alto valor agregado a se instalarem no Eixo Tamanduatehy e na cidade.
Avaliar periodicamente a capacidade de infraestrutura da cidade.
Criar centro de Informações Empresariais.
Incentivar a instalação de incubadoras de empresas considerando prioritariamente o número de empregos gerados.
Promover ações e serviços que conduzam ao fortalecimento e diversificação das cadeias produtivas locais.
Incentivar a formação de cooperativas.
Criar Observatório Econômico para direcionar as ações de geração de trabalho e renda.
Criar facilitadores junto à indústria e ao comércio local para que o material reciclável seja destinado preferencialmente a cooperativas autogestoras devidamente legalizadas.
Apoiar a organização dos coletores de material reciclável com a perspectiva de formalização do autoemprego e a humanização do trabalho.
Buscar compreender através de pesquisa as dificuldades, necessidades e anseios dos empresários da cidade (Observatório Econômico, Pesquisa de Vocação e Tendências do Município).
Fomentar um movimento de inovação tecnológica envolvendo empresas e instituições de Ensino Superior para o desenvolvimento de novos produtos e processos de fabricação e de prestação de serviços.
VIVEIRO ASSISTENCIAL
Algumas dessas propostas de Celso Daniel chegaram a ser criadas e aplicadas, mas praticamente nenhuma resistiu ao tempo. O Poder Executivo de Santo André não difere da maioria das demais cidades: tem-se atenção ao hoje que rende prestígio e votos. As próximas gerações que se danem. Nada, absolutamente nada, tem ramificações que resultem em ganhos de eficiências continuados.
Um exemplo prático de que o prefeito Paulinho Serra possivelmente teve acesso ao documento que encontrei no meu sótão está no sucesso eleitoral da primeira-dama, Carolina Serra. O que Celso Daniel planejou e que chegou a ser executado durante alguns anos como política assistencialista institucional foi metabolizado e virou estratégia eleitoral na disputa pela Assembleia Legislativa em 2022.
Trata-se da proposta de “criar facilitadores junto à indústria e ao comércio local para que o material reciclável seja destinado preferencialmente a cooperativas autogestionários devidamente legalizadas”. Carolina Serra fez de recolhimento popular de recicláveis de plástico o programa Moeda Verde, que contemplou com alimentos mais de uma centena de instituições assistenciais de Santo André. Carolina Serra obteve 90% dos quase 200 mil votos na periferia de Santo André.
DEMAIS EIXOS
Em outros pontos do documento que reproduz o programa Santo André Cidade Futuro há mais menções a politicas ambientais de cunho assistencial. Chegaremos lá. Além do eixo de Desenvolvimento Econômico, o projeto iniciado por Celso Daniel após ampla consulta popular, algo que na gestão de Paulinho Serra não passa de ilusionismo, há oito vertentes: Desenvolvimento Urbano, Qualidade Ambiental, Educação, Inclusão Social, Identidade Cultural, Reforma do Estado, Saúde e Combate à Violência Urbana.
Santo André comandava uma equipe de secretários de primeira linha. Muitos foram levados à Brasília no primeiro mandato do presidente Lula da Silva. Nem o presidente da República de então, o mesmo de hoje, tinha a dimensão da grandeza administrativa de Celso Daniel. Os prefeitos que o sucederam teriam a obrigação de humildemente buscar inspiração ao invés de ignorá-lo ou vilipendiá-lo.
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23/10/2024 DEZENOVE DESAFIOS À ESPERA DE GILVAN