Tomara que o Diário do Grande ABC esteja certo, embora o Diário do Grande ABC esteja equivocado. Não entendeu? Vai entender. O prefeito de São Caetano estaria decidido a privatizar tudo que deve ser privatizado. Esse é o “tomara que o Diário do Grande ABC esteja certo”. Mas, segundo o Diário do Grande ABC, é um erro do prefeito José Auricchio privatizar tudo que tem de ser privatizado. Nesse ponto o Diário do Grande ABC está equivocado.
Prestes a completar o quarto mandato à frente da Prefeitura de São Caetano, José Auricchio está a pleno vapor. Quem acompanha as redes sociais com a curiosidade de jornalista, como eu, não deixa de reparar a adesão incontida do prefeito aos meios digitais. Não somente ele, mas também ele.
Imagine a densidade dessa conversão digital numa cidade de classe média prevalecente e de um território físico que aproxima os moradores, gostem ou não. Quem mora em São Caetano tromba a todo instante com quem mora em São Caetano. Não dá para se esconder de ninguém. A tecnologia portátil poderia ter-se inspirado em São Caetano, com quase 13 mil habitantes por quilômetro quadrado. Uma das cinco maiores do País.
PENTAPREFEITO
Até parece que alguém cochichou aos ouvidos do prefeito José Auricchio que ele poderia concorrer de novo no ano vem. Não pode. Mas faz tudo para plantar novas raízes de um eventual quinto mandato depois de intervalo de quatro anos. A condição de pentaprefeito na região só seria inédita se José de Filippi Júnior, em Diadema, não emplacar nova vitória, ano que vem.
Auricchio está em acelerada campanha eleitoral para fazer o sucessor. Sabe das dificuldades representadas por Fabio Palacio, pela terceira vez um possível concorrente de fôlego. Sem contar Tite Campanella, que o substituiu durante o ano em que foi afastado por um exagero de tribunais eleitorais. Exagero de tribunais eleitorais é expressão pleonástica.
O Diário do Grande ABC direciona holofotes na gestão de José Auricchio. Há entre o jornal e a Administração de São Caetano animosidades terceirizadas por conta de Auricchio ser muito próximo do prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, desafeto do jornal. Os dois abandonaram o Clube dos Prefeitos ao cheirarem a pólvora de que o Clube dos Prefeitos que está aí, presidido pelo prefeito de Mauá, Marcelo Oliveira, teria o tom avermelhado do PT como norte. Com suporte do jornal.
RONAN E DIÁRIO
Escrevo sobre esses aspectos de relacionamentos extrajornalismo para explicar o que se passa no campo jornalístico. O Diário do Grande ABC de Ronan Maria Pinto é o mesmo Ronan Maria Pinto do Diário do Grande ABC. Não existe separação de corpos e espíritos. O jornal é extensão do dono do jornal e o dono do jornal é extensão do jornal. Esse encavalamento carrega o vício da incongruência e males derivados.
O Diário do Grande ABC costuma ficar em cima do muro em questões polêmicas, como privatizações e estatizações, entre muitos temários. Vai conforme o que lhe interessa de momento. Geralmente se omite. Só sai a campo quando algum coisa suplementar aparece.
No caso do prefeito José Auricchio, há contrariedades aparentemente insanáveis. Em outras situações, rusgas foram superadas com certa facilidade. Fazia parte do jogo psicológico, por assim dizer. Era um estica-e-puxa tático e estratégico.
PESOS DIFERENTES
No caso da privatização do Terminal Rodoviário Nicolau Delic, manchetíssima do Diário do Grande ABC de hoje, temos um exemplo de submissão editorial a interesses extra-editoriais. Fosse Auricchio amigo da Rua Catequese, o tratamento seria outro.
Foi o caso, por exemplo, da venda do Semasa, em Santo André, durante o governo do amigo da casa Paulinho Serra. Ou da bateria de críticas à política de venda de terrenos em São Bernardo, muito aquém do que se registra em Santo André, ignorada pelo jornal. Quando Ronan Maria Pinto entra em campo, não tem incoerência em branco.
Por essas e outras, quando me perguntam sobre relações, avaliações e interpretações da atuação do Diário do Grande ABC, digo que a linha editorial está sujeita a chuvas e tempestades muito particulares. O Diário do Grande ABC imagina que os leitores são estúpidos e analfabetos. Não é bem assim.
A maleabilidade avaliativa e produtiva do Diário do Grande ABC que vemos a cada novo dia nas páginas sempre mais recheadas de política do que de outra atividade, como a Economia por exemplo, não é uma caixinha de surpresa. Tudo é previsível e contraditório. Por isso mesmo exige mais cuidados.
A privatização proposta para o Terminal Nicolau Delic pelo prefeito José Auricchio tem tanta importância como política pública de uma São Caetano que precisa ser reoxigenada como a esperada privatização da USCS, Universidade Municipal de São Caetano, e a Saesa, autarquia de água e esgoto.
REOXIGENAÇÃO
Tudo tem de ser colocado no mesmo saco de pragmatismo sem choradeira. O Estado em qualquer formato, Federal, Estadual e Municipal, tem muito a fazer em áreas típicas do Poder Público. Quanto mais centralizar força no que de fato interessa, mais se constatará o acerto de eliminar símbolos municipalistas nem sempre competentes. A USCS, por exemplo, está entre as piores universidades no Ranking da Folha. Todos omitem essa tragédia. Como também é uma tragédia a atuação regional da Universidade Federal do Grande ABC. Como já escrevi, a FUABC adora passarelas internacionais no campo de teorias.
Mesmo com dúvidas que tratam de critérios de eficiência, São Caetano criou um arcabouço legal para coordenar os símbolos estatais que deverão mudar de controle. A Agência Reguladora também criticada pelo Diário do Grande ABC é providencial.
Mas nem por isso pode ficar a salvo de rigorosa controladoria. O jornal está correto na abordagem mesmo que superficial de que há mais sombras que claridade na concepção da Agência Reguladora.
O histórico de agências reguladoras estatais no País é tão decepcionante quanto a maioria das intromissões do Estado em atividades de competência potencial muito maior da livre-iniciativa. Tanto uma coisa quanto outra reforçam que o Estado precisa ser objetivo no que lhe compete. Saúde, Educação, Transporte, Infraestrutura física, logística, tudo isso na esfera municipal requer muito mais atenção e investimentos. Além, claro, e antes de tudo, de Planejamento Econômico.
Espero que os leitores não coloquem em dúvida a interpretação que faço sobre a oposição do Diário do Grande ABC à privatização do Terminal Nicolau Delic e ao projeto de desativação de outros tentáculos municipais.
EDITORIAL EMBLEMÁTICO
No Editorial de hoje, o Diário do Grande ABC usa de ironia no título para definir o prefeito José Auricchio: “O privatizador”. Alguns trechos da opinião oficial do jornal são emblemáticos:
O projeto de privatização do Terminal Rodoviário Nicolau Delic, proposto pelo prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior (PSDB) lança luz sobre sua estratégia para lidar com as consequências de sete anos de gestão marcados por desrespeito ao dinheiro público. Ao optar pela venda de importante patrimônio da cidade, o tucano revela a intenção de utilizar os recursos provenientes dessa medida para equilibrar as finanças do município. A criação recente da Agência Reguladora, incumbida de monitorar autarquias e serviços desestatizados, expõe claramente que o Palácio da Cerâmica, sede do Executivo, planeja liquidar autarquias e serviços para garantir fluxo de caixa. É preciso ficar alerta.
Acho que bastam esses trechos do Editorial para confirmar o enunciado integral da reportagem do Diário do Grande ABC de hoje. Portanto, não existe distorção avaliativa. Compreendo o direito do jornal pegar o caminho que bem entender para se comunicar com a sociedade. O problema é que a linha editorial não faz parceria com a coerência de tratamento. O sujeito oculto torna tudo muito nebuloso.
TERMINAL CUSTOSO
O Terminal Nicolau Delic é uma obra do então prefeito de São Caetano, Raimundo da Cunha Leite, eleito surpreendente em 1976 quando o MDB foi uma tempestade de vitórias no Brasil inteiro, durante o Regime Militar.
Raimundo da Cunha Leite fez uma lambança no financiamento daquela estrutura de cimento armado de mau-gosto. São Caetano penou para pagar a dívida que se multiplicou por conta da inflação e da correção monetária. Elefante branco e Terminal Nicolau Delic passaram a ser sinônimos. A homenagem póstuma ao ex-vereador e secretário municipal de Raimundo da Cunha Leite foi um presente de grego.
Cinco décadas depois São Caetano pode se livrar para valer desse fantasma. Jamais, entretanto, recuperará um décimo do que despendeu de recursos orçamentários para zerar a conta federal. O Terminal Rodoviário que serve a demanda municipal, estadual e nacional, é um símbolo de ineficiência quântica do Estado em forma de Prefeitura.
Faltam mais informações e dados da gestão do Terminal Nicolau Delic. A Prefeitura erra ao não tornar tudo mais amplo e transparente como política de mudanças no raio de ação da Agência Reguladora. Mesmo assim, aposto no escuro de que privatizar é a melhor saída. Sem que se esqueça de mecanismos de contenção da gulodice privada que sempre serve de combustível às críticas dos estatistas cegos, surdos e mudos à imperiosidade de acabar com a farra de gastos geralmente incontroláveis.
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23/10/2024 DEZENOVE DESAFIOS À ESPERA DE GILVAN