Nosso Século XXI (2ª Ed.)

Participação popular é
um marco revolucionário

ELISIO PEIXOTO DE SOUZA - 16/09/2008


Emociona-me escrever este ensaio. Em primeiro lugar porque a proposta da obra é positiva para discussões e análises sobre o que esperamos do Grande ABC e, sobretudo, o que esta importante região de São Paulo aguarda de nós neste século XXI.


O tema que pretendo desenvolver é envolvente. Coincide com o aniversário de 20 anos da Constituição Federal, que assegurou o exercício da Cidadania e dos Direitos e Garantias Fundamentais(direitos individuais, coletivos, sociais, à nacionalidade e políticos), logo após período de mais de duas décadas de anticidadania e os reflexos práticos que essas conquistas trouxeram para nosso espaço local e regional no tocante à participação de cidadãos e entidades representativas nos destinos de suas cidades.


Temos razões suficientes para comemorar a concepção da Carta de outubro de 1988 porque importantes instrumentos de participação social foram definidos, como o plebiscito, o referendo popular, a iniciativa popular de lei, a audiência pública e a tribuna popular.


A partir da primeira metade da década de 1980, respaldadas pela Carta Republicana, várias forças sociais mobilizaram-se no País para formar espaços institucionais de participação cidadã, dividindo as decisões do Estado com membros da sociedade civil para formulação conjunta de propostas de políticas públicas de interesse coletivo. No Grande ABC constatamos, de forma inicial e especial, movimentos sociais liderados por trabalhadores das indústrias metalúrgicas e automobilísticas em busca de melhorias salariais, proteção de garantias e maior qualidade de vida, articulações representadas pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.


A Lei Orgânica de Saúde de 1990 do governo federal implantou a participação comunitária por meio de conselhos e conferências federais, estaduais e municipais para discussão de assuntos de interesse dos cidadãos, abrangendo posteriormente áreas como das crianças e adolescentes, assistência social e outras, delineando-se avanço nacional de representação institucional do País. Existem 22.987 conselhos municipais vinculados a políticas sociais, além de 64 conselhos federais. Não há dados sobre a quantidade de conselhos populares brasileiros, segundo o Instituto Pólis.


De qualquer forma, tais conselhos e conferências conquistaram valores democráticos importantes para nossa sociedade, como o direito à informação e à transparência dos atos e programas governamentais, resultando em fóruns de denúncias e controle social. Foram propiciadores do desenvolvimento de outras formas de conselhos populares, organismos defensores de interesses coletivos. A disposição em participar dos destinos da sociedade e das cidades é realidade não só brasileira, mas do mundo inteiro. Não resta dúvida: associações como de amigos de bairros, ONGs (organizações não-governamentais), sindicatos, partidos políticos e outras formas de aglutinações comunitárias são centros multiplicadores de participação democrática, em defesa de maior justiça social.


Os cidadãos às vezes esquecem que o verdadeiro poder vem e permanece neles mesmos, que os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) são meros detentores de funções para solucionar conflitos e interesses coletivos e individuais, controlando as relações sociais em busca de harmonia.


Consórcio de Prefeitos, Câmara Regional e
Fórum da Cidadania não desenvolveram
o potencial que são capazes de imprimir


No Grande ABC alguns agrupamentos mobilizaram-se para garantir o direito de participação nos destinos das cidades, inicialmente com finalidades específicas como as questões ambiental e econômica, depois em defesa de conquistas adquiridas e do fomento dos potenciais de desenvolvimento da região, de ordem social, urbanística, infra-estrutural, saneamento, locomoção e transporte. Podemos citar o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, conhecido como Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que mais tarde originou a Câmara Regional do Grande ABC e esta, por sua vez, criou a Agência de Desenvolvimento Econômico. Também o Fórum da Cidadania do Grande ABC pode ser destacado entre as principais entidades associativas que defendem o direito de participação, o desenvolvimento e a unidade regionalista.


O Consórcio do Grande ABC surgiu em 19 de dezembro de 1990 em Santo André, formado também pelos prefeitos de São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Seu objetivo expresso é promover formas articuladas de desenvolvimento regional com gestão suprapartidária e respeito às deliberações do órgão máximo, o Conselho de Municípios. A Câmara Regional do Grande ABC foi fundada também em Santo André em 12 de março de 1997 por representantes públicos (as sete prefeituras da sub-região sudeste da Região Metropolitana de São Paulo, governo estadual, deputados estaduais e federais da região e vereadores), de movimentos da sociedade civil (sindicatos patronais e de trabalhadores e ONGs) e de empresas.”Seu principal objetivo é integrar a atuação do Poder Público e a participação da sociedade civil, buscando soluções para o problema social, econômico, ambiental, físico-territorial, de circulação e de transportes no Grande ABC” — enaltecem seus informativos. Como a Câmara não tem personalidade jurídica, o mantenedor é o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC.


Por não ter funcionários ou estrutura própria, a Câmara Regional criou em 27 de outubro de 1998 a Agência de Desenvolvimento Econômico, seu braço executor e institucional. Missão: contribuir para o desenvolvimento sustentável da região, através da criação e implantação de projetos em diversas áreas e segmentos. Trata-se de organização não-governamental mista, de cuja composição participam as sete prefeituras representadas pelo Consórcio Intermunicipal, as associações comerciais, Sebrae, empresas do Pólo Petroquímico, instituições de ensino superior e sindicatos de trabalhadores. Propagada como “fruto da história de integração regional crescente entre municípios, instituições públicas e privadas do Grande ABC, a Agência de Desenvolvimento Econômico é uma experiência de governança regional pioneira no Brasil”, mas ainda não desenvolveu o potencial que é capaz de imprimir à região. É bem intencionada, composta e administrada, mas não alcançou o ápice como órgão regionalizador e desenvolvimentista.


Já o Fórum da Cidadania do Grande ABC “surgiu como resposta de diversos atores sociais à crise na economia da região”, fundado em 16 de março de 1995 em Santo André. Um dos objetivos do Fórum foi a busca de maior representatividade política para a região, desguarnecida de membros no Poder Legislativo. Conseguiu um grande feito ao contribuir para eleger cinco deputados federais e oito deputados estaduais comprometidos com o Grande ABC logo após campanha de fortalecimento da representatividade da região no Legislativo. Formado por mais de uma centena de entidades da sociedade civil e constituindo-se como verdadeiro berço de discussões de assuntos de interesse regional, diversas ações do Fórum da Cidadania nunca chegaram ao resultado que a representatividade do órgão impõe. É uma entidade respeitada, reconhecida e admirada pelos defensores da democracia participativa e autoridades.


Acredito no formato do Fórum da Cidadania e na dimensão que poderá conquistar com suas atividades, principalmente no que diz respeito a propostas de políticas públicas no Grande ABC. Várias proposituras acatadas pelos poderes municipais resultaram em retornos concretos para a comunidade, como a construção do Hospital Estadual Mário Covas, piscinões para combate às enchentes, instalação de bases de segurança comunitária da Polícia Militar, visitas do Poupatempo Móvel do Estado, campanhas políticas para conscientizar a sociedade sobre a importância de escolher representantes locais para os poderes legislativos, entre outras.


O Comcipas de São Caetano é
inovador como participação de
munícipes nas políticas públicas


No tocante à participação popular nas prefeituras do Grande ABC, o Comcipas (Conselho Municipal de Cidadania e Participação Social) da Prefeitura de São Caetano, criado em 6 de abril de 2005, é experiência regional inovadora de participação cidadã nos destinos de um governo municipal. Foi inspirado em projetos bem-sucedidos de representação popular em governos europeus e nos CDES (Conselhos de Desenvolvimento Econômico e Social) espalhados em países desenvolvidos.


O Comcipas é uma forma democrática de abrir as portas da administração à participação do munícipe, assegurando-lhe o direito a informações de interesse da coletividade, realizando audiências públicas, esclarecendo a população sobre seus direitos, obrigações e responsabilidades, assessorando o prefeito na formulação de políticas e diretrizes específicas aos objetivos do órgão, dando transparência às ações governamentais e permitindo que políticas públicas e programas governamentais saiam da própria sociedade, através da atuação de mais de 40 entidades da sociedade civil, religiosas e militares. O leque se abre desde a Associação Antialcoólica do Estado de São Paulo, Associação Comercial e Industrial, diretores e professores das redes estadual, municipal e particular até Igreja Católica, Procon, sindicatos trabalhistas, Corpo de Bombeiros, Sociedade Protetora dos Animais, entre outras.


São 120 conselheiros entre titulares, suplentes e vitalícios. As propostas do Comcipas foram acatadas pelo Executivo e postas em prática com enorme sucesso em benefício de São Caetano, como a implantação da Diretoria de Meio Ambiente, coleta seletiva de lixo, Universidade da Melhor Idade, regularização dos carroceiros, Plano Diretor Estratégico, implantação de radares e redutores de velocidade no trânsito que reduziram em mais de 70% os casos de vítimas em acidentes automobilísticos, além da revitalização do Bairro Prosperidade, entre outros. Para discussão e encaminhamento de assuntos mais complexos, o Comcipas foi segmentado em três grupos temáticos: Ambiental, Econômico e Social. Em 2007 recebeu o troféu de Destaque do Ano — Social do Prêmio Desempenho da revista LivreMercado, uma homenagem às entidades regionais comprovadamente comprometidas com o Grande ABC.


Fato importante após a criação do Comcipas foi a forma como dezenas de lideranças sociais, formadores de opinião, passaram a se conhecer e, de forma conjunta, a desenvolver projetos em comum para suas organizações. A troca de informações sobre assuntos de interesse da comunidade resulta em grande elo entre os verdadeiros construtores da sociedade. Emociona-me ter compartilhado como secretário do Conselho da Cidadania essa extraordinária experiência de sustentabilidade e união social, embora nem tudo sejam flores. Passamos também por dificuldades e ultrapassamos os obstáculos impostos pelos desconstruidores de plantão. Somos cientes de que não praticamos tudo que desejávamos e somos capazes de realizar. Porém, somente com o tempo, aprendizagem e mais amadurecimento o órgão estará apto a alçar maiores vôos em defesa do exercício da cidadania e da participação cidadã na administração municipal.


Essa participação é realidade emergente nas cidades brasileiras, e no Grande ABC não pode ser diferente. Neste século XXI os espaços institucionais de representação cidadã devem e precisam ser preenchidos. A sociedade deve cobrar o direito de participação e os prefeitos não devem temer abrir as portas da administração, colocando as cartas na mesa e discutindo diretamente com os verdadeiros interessados no desenvolvimento de suas cidades, o próprio usuário, os munícipes. A participação popular integra, de forma equilibrada, cidadãos e administração, garantindo racionalidade e aceitabilidade das decisões democráticas (participação dos cidadãos), do estado de direito (participação dos cidadãos interessados) e do estado social (realização do bem comum).


Para o cientista jurídico alemão e doutor em Direito Público Heinrich Siedentopf, a participação dos cidadãos nas esferas administrativas tem múltiplos objetivos: racionalização das decisões através de uma informação melhor e disponível, previsibilidade do cidadão quanto ao conteúdo das decisões administrativas, vontade reforçada da ação administrativa por meio da publicidade e transparência, maior legitimação da decisão administrativa tomada, integração do cidadão e grupos de cidadãos à decisão administrativa tomada pelo bem comum, desenvolvimento da autodeterminação e da emancipação do cidadão na sua comunidade. A participação tem fundamento em três tipos de direitos: políticos, sociais (segurança, economia, educação, saúde e serviços públicos em geral) e direitos de controle da administração pública advindos da situação de cidadão-contribuinte.


O Consórcio de Prefeitos do Grande ABC resistiu recentemente a abrir as portas das reuniões à participação comunitária, postura que levou lideranças sociais e formadores de opinião a reagir contrariamente à limitação da atuação efetiva da sociedade nas discussões e deliberações da entidade. Mas, sintonizados nas tendências irreversíveis do novo século que garantem espaços de participação cidadã em todas as formas de agrupamentos que atuam com temas de interesse coletivo, o Consórcio passou a aceitar que entidades representativas contribuam com seu trabalho. Até compreendo que prefeitos devam conversar de forma discreta assuntos mais complexos e polêmicos das pautas da entidade. Isso pode ser feito em breve reunião antecessora à abertura da reunião principal, para lapidação das discussões. Porém, a participação popular nas reuniões é imprescindível para solidificação da democracia.


A grande reflexão que devemos fazer diante das perspectivas que o novo século impõe ao Grande ABC é como podemos aperfeiçoar os atuais mecanismos de participação social, sejam nas prefeituras, nas entidades representativas ou nos agrupamentos sociais, para inserirem-se definitivamente como organismos protagonistas do desenvolvimento regional. Existem centenas de novos atores sociais prontos para participar dos destinos das sete cidades neste século XXI, todos aguardando aberturas para contribuir com idéias e ações.


Quando as prefeituras definirem os espaços de participação direta dos munícipes nas discussões e planejamentos de programas e projetos governamentais, quando entidades defensoras da regionalidade passarem a abrir as portas sem medo de ser fiscalizadas ou criticadas, a democracia participativa deixará de ser mero contraponto à democracia representativa, novos paradigmas e desafios hão de surgir e estaremos muito próximos de um Grande ABC mais pujante, unido e preparado para superar adversidades.


A participação popular e de entidades representativas nos destinos das sete cidades será o marco revolucionário do desenvolvimento regional neste século XXI.


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